A vida não é um
círculo perfeito
Há
filmes que nasceram para levar porrada da crítica especializada. É o caso de «360», o mais recente filme do
brasileiro Fernando Meirelles. A pergunta que se coloca é se podemos estar de
acordo que um filme onde se notam claramente algumas deficiências narrativas
causadas sobretudo por um argumento pobre e que não cumpre no atrevimento a que
se propunha pode ainda assim agradar-nos particularmente. E a resposta é
claramente afirmativa. E se me perguntarem porquê eu poderia deixar aqui ene
motivos a começar pela presença discreta mas sempre sedutora de Rachel Weisz. A
linda, elegante e competente Rachel Weisz.
Mas
sim, Meirelles faz o seu filme através do mosaico de histórias que foi
celebrizado por esse brilhante e inesquecível «Magnólia» [1999]. E falha. Mas mais falha quem escolheu o título
português para o filme. Que raios, a vida não é um círculo perfeito por mais
voltas que demos e no final venhamos invariavelmente ter ao ponto de partida. Pelo
contrário, a vida é feita de cabeçadas e trambolhões, acasos felizes e
infelizes, amores e desamores. E de escolhas. Aquelas que fazemos por nós e as
que outros fazem e nos atingem como uma bala certeira. E ou morremos da ferida
ou a saramos e recuperamos. É disto que fala «360». Penso eu. E já agora permitam-me a confissão de gostar muito
que os filmes me obriguem a pensar os labirintos em que o quotidiano de cada um
de nós se embrenha na tentativa de [sobre]viver. De viver e ser feliz. E não, insisto:
a vida não é um círculo perfeito, meus caros.
Meirelles,
o brasileiro que filmou a beleza dramática de Rachel Weisz em «O Fiel Jardineiro» [muito obrigado por
isso, sô Meirelles] parte neste seu filme de vários microcosmos das relações
humanas para concluir que aqui e ali há sempre um ponto onde as vidas distantes
se aproximam, cruzam e condicionam. Para protagonizar a sua história escolheu
atores e atrizes conhecidos – a já referida Rachel, Jude Law e Anthony Hopkins
que no mínimo nunca conduzem as suas personagens em piloto automático – mas
também perfeitos desconhecidos como a interessante Danica Jurcová [a prostituta
de olhar doce na procura ‘fácil’ do seu paraíso na terra]. Andou algures por
Viena, Bratislava, Paris, Londres e Colorado, citando apenas estes locais para
não fazer deste texto um livro geográfico, e falou-nos de adultério, chantagem,
do drama de pessoas desaparecidas, de abuso sexual, de prostituição, de vida e
de morte, de paixão, de amor, de ódios. E de escolhas. E com isso construiu um
filme bastante equilibrado.
Voltando à frase com que iniciei este texto, «360» tem ainda o mérito de
substituir o ginásio para muitos que queiram libertar tensões. Mas reparem, que
ninguém fique incomodado com esta acusação [de facto, é de uma acusação que se
trata, as minhas desculpas] já que não vejo mal nenhum nisso. Até porque, e aqui
o declaro, por vezes também o faço e queima mais calorias que duas aulas
seguidas de cycling. Mas não, em
«360» não o vou fazer, recuso-me. Porque a vida não é um círculo perfeito e o
filme me deu a oportunidade de o relembrar. E porque me agrada [quase todo] o
cinema que se propõe retratar a complexidade humana. E esta minha tendência pode
até ser um defeito mas convenci-me que é do meu feitio.
«360: A Vida é Um
Círculo Perfeito»,
de Fernando Meirelles, com Rachel Weisz, Jude Law, Anthony Hopkins, Danica
Jurcová, outros
2 comentários:
Depois de ler esta crítica e ter passado algum tempo, em que pude pensar de novo no filme, a minha opinião alterou-se para melhor. Talvez tenha sido o título que me levou a ficar primeiro decepcionada, porque estava à espera de um círculo perfeito :)
Pois!... Mas a vida não é um círculo perfeito, Redonda. Se houvesse no mundo muito mais pessoas como tu o círculo aperfeiçoava-se. Beijinhos.
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