Marcado para morrer
Juan Oliver [Alberto Ammann] é um cidadão comum que parece levar uma vida controlada e feliz. A sua mulher está grávida, o casal vive um invejável idílio amoroso e o jovem tem um novo emprego indo ocupar um lugar de guarda prisional na cidade onde ambos vivem. Contudo, a vida, essa mesma vida que julgamos poder controlar sem interferência alheia, nem sempre decorre como a programamos e, por vezes, as situações mais dramáticas ocorrem de forma totalmente imprevisível. E sem que as possamos tomar nas nossas mãos, tornamo-nos em algo próximo de meras vítimas do acaso. É, pelo menos, esta a premissa de «Cela 211», filme espanhol realizado por Daniel Monzón, que se aventurou num género – o drama prisional – sem os meios dos grandes estúdios mas com a capacidade de criar uma espiral de tensão que apenas vai culminar com o despoletar da tragédia.
«Cela 211» é cinema denúncia, claramente. Mas é sobretudo um filme duro e dramático sobre a realidade da vida nas prisões onde o mais abominável criminoso mostra poder reger-se por um código de honra capaz de envergonhar muitos daqueles que detém o poder. Sobretudo quando quem ‘manda’ trata de querer esconder da opinião pública os podres de um sistema que vive à base de esquemas e troca de favores não havendo, nestes casos, inocentes entre os envolvidos. Todos são culpados, seja por acção ou simples omissão. E se Juan Oliver é o protagonista desta história por tudo o que lhe acontece e por estar no centro das más decisões de colegas, negociadores sem honra e políticos sem escrúpulos, acaba por ver em Malamadre [numa impressionante interpretação de Luís Tosar] a personagem que lhe rouba quase todos os créditos na composição de um condenado tão capaz da maior brutalidade como incapaz da mais pequena traição. Este líder de uma comunidade de reclusos, entre políticos, polícias e marginais acaba por se revelar como o mais coerente de todos os homens envolvidos no motim que ele mesmo comanda compondo uma personagem hipnótica e carismática. Quanto ao pobre Juan Oliver, acaba por se ver arrastado para os mais ferozes acontecimentos pela negligência de uns e ineficácia de outros.
Confesso que desde «Os Condenados de Shawshank» [1994], de Frank Darabont, não via um drama prisional tão intenso e dramático como «Cela 211» na sua assustadora proximidade com a realidade. E apesar dos já referidos poucos recursos de que Daniel Monzón dispôs, este não se coibiu de apresentar cenas de uma brutalidade sem limites filmando-as como inexcedível competência. E se a maior fraqueza deste filme está na escolha de Alberto Ammann para um papel – o de protagonista – que requeria outro tipo de atributos dramáticos, a verdade é que a sensação maior com que o filme atinge o espectador reside na amostragem da debilidade do ser humano perante acontecimentos tão contundentes como imprevisíveis. E tudo se agrava perante esses acontecimentos se alguém acaba por ter a infelicidade de se tornar num mero peão de um tabuleiro jogado por homens detentores do poder muito pouco preocupados com as vidas humanas em contraponto com a imagem que pretendem fazer passar para a opinião pública.
Em suma, «Cela 211», que também distingue o criminoso comum do criminoso que age em nome de ideais políticos [os presos da ETA, a organização separatista basca] é um drama sólido e rigoroso que não deve deixar de ser visto por ninguém. Mas muito especialmente a não perder por quem gosta de cinema que se faz calçado em botas de biqueira de aço.
«Celda 211», de Daniel Monzón, com Alberto Ammann e Luís Tozar
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