Estava uma tarde clara e fria como o são muitas tardes de Outono quando o meu carro contornou a rotunda que dá início à Azinhaga para quem vem do lado de Lisboa. Noto que dois rapazes guiam três ou quatro cabeças de gado pisando a erva e torneando arbustos até ladearem as estacas de uma vedação para animais. Sou natural do Ribatejo, mas, curiosamente, não me recordava de alguma vez ter estado na terra onde nasceu José Saramago. Deixo o carro seguir o percurso de alcatrão até ao que julgo ser o largo principal da povoação.
Sentado num banco de jardim, qual Pessoa no Largo do Chiado, vislumbro uma estátua de Saramago em plena leitura. Algumas pessoas ladeiam o monumento e pergunto onde é a Rua José Saramago. Silêncio total, trocam-se olhos inquisidores, ninguém me sabe responder. Agradeço e sigo o meu caminho, hesitante. Um jovem de pouco mais de vinte anos, livros debaixo de um dos braços, atravessa a rua um pouco mais à frente. Repito-lhe a pergunta anterior. Olha o vazio, parece puxar pela cabeça, pede-me desculpa, também não sabe. E a de Pilar del Rio, insisto. Pilar del Rio?, devolve-me a pergunta. Sim, confirmo eu, Pilar del Rio. Não, não sei. Ao fundo, uma mulher de meia idade fita-me tranquilamente com um sorriso a baloiçar-lhe nos lábios. Tente a zona nova, trezentos metros à esquerda, quase me gritou. Foi o que fiz.
E lá estavam.
Lá estavam a pequena biblioteca com o nome de José Saramago, a Rua Pilar del Rio de esquina com a Rua José Saramago. Tiro algumas fotos, entro um pouco no interior do edifício da biblioteca e, alguns minutos depois, percebo o alcance das palavras de José Saramago ao referir-se à passagem dos homens e mulheres por esta vida: num momento «está-se ali» e no outro «já não se está». E na Azinhaga, terra natal do único Nobel português da literatura, José Saramago já não está sem que provavelmente alguma vez tivesse estado. Isto, ainda que por lá se perpetue o seu nome em duas ou três homenagens simbólicas.
Já é quase noite quando regresso à estrada consciente da insignificância que o homem se atribui a si mesmo. Acabou-se para José Saramago, subiu à montanha mágica mas já não faz mais livros. Já não está ali. Mas tenho pena, eu que nunca fui seu fiel devoto.