sábado, 27 de março de 2010

Swimming Pool [DVD]

 [DVD]


Um livro que o cinema escreveu
     
      Depois de ter cedido à teatralização do cinema, em «8 Mulheres» (2002), François Ozon regressou ao registo introspectivo e dramático que se lhe reconhecia da sua filmografia anterior, nomeadamente em «Sob a Areia» (2000). E se no filme citado Ozon trabalhou de modo magistral as formas psicológicas de defesa de uma mulher perante a evidência de ter sido abandonada pelo companheiro (mesmo que este abandono se tivesse materializado em forma de suicídio), já neste «Swimming Pool» o realizador aventura-se por uma território mais vasto mas ainda assim integrante dos recônditos labirintos da essência humana no feminino. Para melhor executar essa reflexão, Ozon planeou arquitectar um choque de gerações em que a vertente da sexualidade surge como ponto de partida para a projecção de desejos e frustrações. Mas alegre-se quem acreditar que o realizador francês não se limitaria a este já de si valoroso exercício filosófico. Em boa verdade, Ozon experimentou executar neste filme uma aproximação entre a literatura e o cinema que muitos têm tentado mas poucos conseguem. E ele conseguiu-o com a vantagem de não distanciar o cinema do grande público. Ou, para sermos mais exactos, daquele público interessado num cinema que pensa e se pensa a si mesmo sem alguma vez pretender afastar de si – público, essa mesma capacidade reflexiva.
     
      No filme, Sarah Morton (Charlotte Rampling) é uma escritora inglesa de sucesso na área da literatura policial. Chegada a um impasse criativo em que se sente impelida para outros modelos de escrita, Morton debate-se com a oposição do seu editor, que se recusa a compreender essa necessidade da escritora antes resolvendo confrontá-la com o sucesso do seu percurso literário anterior. Entretanto, Sarah Morton aceita uma sugestão deste e viaja para Lubéron, uma pequena localidade francesa, onde o editor tem uma casa que lhe disponibiliza por uns tempos. O seu intuito é o de descansar mas também escrever, o que consegue fazer nos primeiros dias de estadia. Até que, uma noite, Morton é surpreendida pela não anunciada chegada de Julie (Ludivine Sagnier), a filha francesa do editor. Julie é uma jovem intrépida, em excessiva busca da vida e a sua sexualidade está ao rubro. No início, a tranquilidade da já madura escritora termina e o choque com a jovem é inevitável. Mas, aos poucos, nasce uma estranha relação de respeito e admiração entre as duas mulheres que irá culminar na forma como se desenvencilharão de uma morte e do cadáver dela resultante.
     
       E é absolutamente determinante para o sucesso da tarefa de Ozon neste filme a escolha das duas actrizes que o protagonizam. Se Charlotte Rampling já tinha sido fenomenal em «Sob a Areia», voltou aqui a demonstrar uma maturidade representativa que não termina nas suas grandes capacidades de actriz para se concretizar no seu olhar ora calmo e indulgente, ora enérgico e perspicaz, mas sempre dúbio nos seus desígnios. Já Ludivine Sagnier, fisicamente reluzente, intercalou brilhantemente a sua interpretação entre a mulher segura e insolente e a jovem frágil e perdida. Diga-se, também, que a composição psicológica das personagens obedeceu a uma lógica literária que só no final do filme vimos confirmar-se na íntegra. Na brusca mas intensa relação que se desenvolve entre as duas mulheres, o filme não só ilustra a forma como estas partem de posições anímicas extremamente antagónicas na aparência para conjuntamente encontrarem a motivação que irá permitir à escritora efectuar um calmo regresso à sua vida anterior. E depois de uma ambiência de desespero e claustrofobia que se estende ao espectador a fazer figas para que as duas mulheres se saiam bem da macabra tarefa que têm em mãos, é no imprevisto desenlace final, com Sarah Morton já de regresso a Londres, que o desespero dá lugar à serenidade. É também nessa altura que se percebe que o cinema e a literatura andaram até então de mãos dadas. E isto sem que Ozon tivesse que no-lo gritar aos ouvidos ou privilegiasse modelos formais em detrimento da quase sempre desejada simplicidade da narrativa. Conclui-se, portanto, que desta aliança entre a literatura e o cinema se fez cinema. Muito bom cinema, aliás.



«Swimming Pool», de François Ozon, com Charlotte Rampling e Ludivine Sagnier

quinta-feira, 18 de março de 2010