Arrastadeiras e fluídos corporais
Um
bom livro nem sempre dá um bom filme. Julgo ser esta uma constatação óbvia mas
não era preciso chegar a tanto, Mister Fred Schepisi. De facto, o realizador
australiano adaptou a obra homónima de um compatriota seu mas começou por
falhar ao querer fazer de Geoffrey Rush um galã sedutor na fronteira do
predador sexual e pretender ainda que Charlotte Rampling passasse de velhinha
decrépita a bater desesperadamente à porta da morte a quarentona feliz e
irresponsável no seu papel de atleta de alta competição na disciplina não olímpica
das maratonas sexuais. Senhores, Charlotte Rampling é muito boa atriz mas a
idade não perdoa e os seus atributos físicos já não dão para tanto.
Leio
algures que o filme é demasiado perfeitinho. Não poderia discordar mais a não
ser que a perfeição cinematográfica possa assentar numa história de ódio,
traição e morte onde em momento algum se vislumbra essa pulsão que a avalanche
de emoções e sensações tem de necessariamente provocar. Ou então esta gente não
tem sangue a correr-lhe no corpo! Por outro lado, a ambientação às diferentes
épocas e sobretudo à década de setenta resultou em verdadeiro terrorismo visual
que fere e ofende. E no meio de ataques de diarreia, de gente feia que se quer
bonita e de corriqueiras tempestades tropicais como epicentro da trama não há
espetador que resista.
De
facto, nada disto do que aqui escrevi seria necessário para descrever com rigor
aquilo a que assisti. Há filmes que imediatamente nos fazem sentir repulsa e
este é claramente um deles. Gosto de histórias de vida que a ultrapassam na sua
própria dimensão dramática, sou imediatamente convencido por paixões
assolapadas indiferentes aos condicionalismos formais impostos por uma certa
civilidade e percebo que o passar do tempo ainda ensombra mais o que de mal nunca foi bem
resolvido, mas, por favor, «O Coração da
Tempestade» é mau gosto puro, é absoluta incapacidade para perceber como
erigir em imagens aquilo que tão bem as letras descreveram. De fugir.
«O Coração da
Tempestade», de Fred Schepisi, com Geoffrey Rush, Charlotte
Rampling e Judy Davis