sábado, 25 de agosto de 2012

O Coração da Tempestade





Arrastadeiras e fluídos corporais


Um bom livro nem sempre dá um bom filme. Julgo ser esta uma constatação óbvia mas não era preciso chegar a tanto, Mister Fred Schepisi. De facto, o realizador australiano adaptou a obra homónima de um compatriota seu mas começou por falhar ao querer fazer de Geoffrey Rush um galã sedutor na fronteira do predador sexual e pretender ainda que Charlotte Rampling passasse de velhinha decrépita a bater desesperadamente à porta da morte a quarentona feliz e irresponsável no seu papel de atleta de alta competição na disciplina não olímpica das maratonas sexuais. Senhores, Charlotte Rampling é muito boa atriz mas a idade não perdoa e os seus atributos físicos já não dão para tanto.

Leio algures que o filme é demasiado perfeitinho. Não poderia discordar mais a não ser que a perfeição cinematográfica possa assentar numa história de ódio, traição e morte onde em momento algum se vislumbra essa pulsão que a avalanche de emoções e sensações tem de necessariamente provocar. Ou então esta gente não tem sangue a correr-lhe no corpo! Por outro lado, a ambientação às diferentes épocas e sobretudo à década de setenta resultou em verdadeiro terrorismo visual que fere e ofende. E no meio de ataques de diarreia, de gente feia que se quer bonita e de corriqueiras tempestades tropicais como epicentro da trama não há espetador que resista.

De facto, nada disto do que aqui escrevi seria necessário para descrever com rigor aquilo a que assisti. Há filmes que imediatamente nos fazem sentir repulsa e este é claramente um deles. Gosto de histórias de vida que a ultrapassam na sua própria dimensão dramática, sou imediatamente convencido por paixões assolapadas indiferentes aos condicionalismos formais impostos por uma certa civilidade e percebo que o passar do tempo ainda ensombra mais o que de mal nunca foi bem resolvido, mas, por favor, «O Coração da Tempestade» é mau gosto puro, é absoluta incapacidade para perceber como erigir em imagens aquilo que tão bem as letras descreveram. De fugir.



«O Coração da Tempestade», de Fred Schepisi, com Geoffrey Rush, Charlotte Rampling e Judy Davis


360: A Vida é Um Círculo Perfeito





A vida não é um círculo perfeito



Há filmes que nasceram para levar porrada da crítica especializada. É o caso de «360», o mais recente filme do brasileiro Fernando Meirelles. A pergunta que se coloca é se podemos estar de acordo que um filme onde se notam claramente algumas deficiências narrativas causadas sobretudo por um argumento pobre e que não cumpre no atrevimento a que se propunha pode ainda assim agradar-nos particularmente. E a resposta é claramente afirmativa. E se me perguntarem porquê eu poderia deixar aqui ene motivos a começar pela presença discreta mas sempre sedutora de Rachel Weisz. A linda, elegante e competente Rachel Weisz.
Mas sim, Meirelles faz o seu filme através do mosaico de histórias que foi celebrizado por esse brilhante e inesquecível «Magnólia» [1999]. E falha. Mas mais falha quem escolheu o título português para o filme. Que raios, a vida não é um círculo perfeito por mais voltas que demos e no final venhamos invariavelmente ter ao ponto de partida. Pelo contrário, a vida é feita de cabeçadas e trambolhões, acasos felizes e infelizes, amores e desamores. E de escolhas. Aquelas que fazemos por nós e as que outros fazem e nos atingem como uma bala certeira. E ou morremos da ferida ou a saramos e recuperamos. É disto que fala «360». Penso eu. E já agora permitam-me a confissão de gostar muito que os filmes me obriguem a pensar os labirintos em que o quotidiano de cada um de nós se embrenha na tentativa de [sobre]viver. De viver e ser feliz. E não, insisto: a vida não é um círculo perfeito, meus caros.

Meirelles, o brasileiro que filmou a beleza dramática de Rachel Weisz em «O Fiel Jardineiro» [muito obrigado por isso, sô Meirelles] parte neste seu filme de vários microcosmos das relações humanas para concluir que aqui e ali há sempre um ponto onde as vidas distantes se aproximam, cruzam e condicionam. Para protagonizar a sua história escolheu atores e atrizes conhecidos – a já referida Rachel, Jude Law e Anthony Hopkins que no mínimo nunca conduzem as suas personagens em piloto automático – mas também perfeitos desconhecidos como a interessante Danica Jurcová [a prostituta de olhar doce na procura ‘fácil’ do seu paraíso na terra]. Andou algures por Viena, Bratislava, Paris, Londres e Colorado, citando apenas estes locais para não fazer deste texto um livro geográfico, e falou-nos de adultério, chantagem, do drama de pessoas desaparecidas, de abuso sexual, de prostituição, de vida e de morte, de paixão, de amor, de ódios. E de escolhas. E com isso construiu um filme bastante equilibrado.

Voltando à frase com que iniciei este texto, «360» tem ainda o mérito de substituir o ginásio para muitos que queiram libertar tensões. Mas reparem, que ninguém fique incomodado com esta acusação [de facto, é de uma acusação que se trata, as minhas desculpas] já que não vejo mal nenhum nisso. Até porque, e aqui o declaro, por vezes também o faço e queima mais calorias que duas aulas seguidas de cycling. Mas não, em «360» não o vou fazer, recuso-me. Porque a vida não é um círculo perfeito e o filme me deu a oportunidade de o relembrar. E porque me agrada [quase todo] o cinema que se propõe retratar a complexidade humana. E esta minha tendência pode até ser um defeito mas convenci-me que é do meu feitio.



«360: A Vida é Um Círculo Perfeito», de Fernando Meirelles, com Rachel Weisz, Jude Law, Anthony Hopkins, Danica Jurcová, outros


Prometheus




Promessa por cumprir

«Prometheus», no regresso de Ridley Scott ao universo Alien, é um filme desinteressante com uma história difusa onde a conceção visual substitui a atmosfera densa que fez dos anteriores filmes uma das sagas de maior sucesso do cinema de ficção científica. Resta-nos a performance sem mácula de Michael Fassbender, um dos atores do momento a acentuar ainda mais a futilidade do restante elenco. Tiro na água e nada a acrescentar quanto à tão procurada origem da espécie humana. Aguardemos pelo próximo capítulo se não com respostas concretas que ajudem a desvendar o mistério pelo menos com melhor cinema que a produção de 2012.

«Prometheus», de Ridley Scott, com Michael Fassbender, Charlize Theron, outros