sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sensibilidades

Hoje ela disse-me que eu estava mais sensível. Quase deitado na cadeira a olhar para a luz sobre mim, de boca aberta e relutante, concordei. Afinal ela é a minha dentista.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Meia-noite em Paris, de Woody Allen






Woody Allen, o poeta

Existe em mim uma nostalgia, a de na minha juventude desejar ser escritor, ser um idealista e sonhador. Deliciava-me com a música romântica e atrevida de Cole Porter, a vida de sonho de Ernest Hemingway, perdia-me na complexidade cognitiva da pintura de Salvador Dali, adormecia nos braços de mulheres belíssimas como Marion Cotillard. Paris era para mim a cidade dos mil e um encantos e encontrava nos invernosos dias de chuva a inspiração para os meus devaneios. De facto, sei-o agora, eu sempre quis ser um Owen Wilson. Ou melhor, a sua personagem de um filme de Woody Allen, um Gil Pender de «Meia-noite em Paris», vagueando pela anoitecer da cosmopolita cidade francesa, percorrendo as esquinas do tempo ao encontro de alguns dos maiores ícones da cultura ocidental que sempre me inspiraram. E, no final, dar um passeio à chuva de mão dada com uma mulher, aquela mulher, a tal mulher, a que todos os homens procuram mas apenas alguns têm a felicidade de encontrar.
«Midnight in Paris», no seu título original, marca o regresso em grande estilo do génio de Woody Allen num argumento brilhante, numa fotografia esplêndida recheada de personagens radiosas deste e de outros tempos, personagens da nossa história, vultos de sempre. No seu périplo nocturno, desencontrado de Inez [Rachel McAdams], a sua noiva fútil e tristemente presa à banalidade, Gil [Owen Wilson] irá deparar nos anos vinte com um Hemingway [Corey Stoll] excêntrico, aventureiro e brigão, com uma suicida Zelda Fitzgerald [Alison Pill] perante as aventuras de Scott Fitzgerald [Tom Hiddleston] e ao som de «Let’s  do It», interpretado ao piano por Cole Porter. Encontrar-se-á ainda com a extravagância de Dali [um excelente e cómico Adrien Brody] ou a inconstância de Picasso [Marcial Di Fonzo Bo]. E pela mão de Adriana [Marion Cotillard], viajará até à Belle Époque de Toulouse-Lautrec, Degas e Gauguin. Entretanto, será ouvinte atento de uma guia de museu interpretada por Carla Bruni.
De facto, há que não ter receio de dizê-lo, «Meia-noite em Paris» é apenas um pequeno filme. Mas um pequeno filme que se vai agigantando em nós porquanto cremos nas potencialidades do sonho, na validade de perseguirmos a nossa felicidade sem medo de cortar amarras e quebrar regras. E ao dizer isto quero reafirmar que o mais recente dos quase cinquenta filmes do genial realizador nova-iorquino é afinal um delicioso poema, uma homenagem à vida e àqueles seres humanos grandiosos que a enalteceram e deram novos mundos ao mundo com o seu talento, a sua arte, a sua visão. E tal como eles, Woody Allen tem-no conseguido fazer. Através da sua vocação artística, o cinema, é facto, mas também pela sua vida como o demonstra a fé que teve no amor sem pensar nos obstáculos que teria de ultrapassar. Quanto a Owen Wilson, esta é apenas e só a sua melhor interpretação de sempre no cinema. E sim, Wilson fez por merecer aquela deliciosa companhia final que teve num passeio à chuva pelas ruas de Paris. Paris a cidade das luzes, a urbe eterna e romântica, a capital dos sonhos e do amor cuja essência a câmara de Allen tão bem soube captar.


«Midnight in Paris», de Woody Allen, com Owen Wilson, Rachel McAdams, Marion Cotillard, Adrien Brody, Kathy Bates, outros