quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Os filmes de 2011

 
 
Os Dez Mais do Ano

Houve muitos e bons filmes em 2011. Para além destes houve outros e entre todos há sempre os que nos tocam particularmente. Daí que no ano que agora acaba, os que abaixo se destaca foram os filmes que mais e melhor me fizeram sentir que o cinema é de facto uma das mais fantásticas formas de arte que o homem criou. Em minha defesa, fica a convicção pessoal de que hoje penso assim mas amanhã poderei pensar de forma diferente. Não por incoerência, mas porque o passar do tempo, a vida, nos vai esculpindo na forma de sentirmos, pensarmos, de sermos.
Em 2011 houve igualmente lugar para as decepções. À cabeça, pela sua irritante descrença no ser humano e porque fazer cinema não é a única forma de psicanálise que existe, «Melancolia», de Lars Von Trier. E por insistir na podridão e no choque sem que se vislumbre intervenção construtiva nos seus filmes, bem de perto, a morder-lhe os calcanhares, «Biutiful», de Alejandro González Iñárritu.
 


1.


«Cisne Negro»


De «Cisne Negro» ficou-nos o fascínio por um filme extraordinário e uma sentida admiração pelo trabalho de uma actriz. E isto por mais obscura que seja a história que nos é contada e angustiante o perfil psicológico da sua personagem principal.

«Black Swan», de Darren Aronofsky, com Natalie Portman, Vincente Cassel, Mila Kunis e Winona Ryder







2.


«Pequenas Mentiras Entre Amigos»


Eles são um grupo de amigos entre os trinta e os quarenta anos. Uns vivem relacionamentos que já conheceram melhores dias, outros são casados e até têm filhos. Aparentemente felizes, quando à noite as luzes se apagam vêm ao de cima a fragilidade e desorientação de que são afinal vítimas. Para rir muito e chorar ainda mais e o cinema como celebração da vida. Indiscutivelmente, um dos grandes filmes de 2011.
 
 
«Les Petits Mouchoirs», de Guillaume Canet, com Marion Cotillard, Benoît Magimel, Gilles Lelouche, Laurent Lafitte e François Cluzet






3.



«Drive – Risco Duplo»


Porque a vida nem sempre é como a queremos viver e é possível o sacrifício por amor, porque o rosto sereno e aparentemente tranquilo de um homem pode esconder o âmago mais inquieto e as aparências iludem, porque a vida tem que ser vivida ainda que estranhemos os labirintos para que ela nos empurra e perante esse fatalismo a redenção pode significar perda e sofrimento, «Drive – Risco Duplo» é para mim a mais reconfortante surpresa nas estreias de cinema em 2011.

«Drive», de Nicolas Winding Refn, com Ryan Gosling e Carey Mulligan










4.

  
«A Árvore da Vida»


Numa viagem à América do pós-guerra e num Texas bucólico, os O’brien dividem-se entre um pai disciplinador, uma mãe doce e três crianças meio à deriva. Mas eles e nós também somos filhos, pais, seres que habitam este universo numa espécie de trânsito para a morte. Um universo onde vale bem mais acreditar que há tanto para viver até ao dia final ao invés de crer noutra vida esquecendo esta.
«The Tree of Life», de Terrence Malick, com Brad Pitt, Sean Penn e Jessica Chastain








5.



«Hereafter – Outra Vida»


«Hereafter – Outra Vida» é um filme que promete falar da morte mas que opta por dissertar sobre a vida. Uma história, ou um mosaico de histórias que se cruzam na estranha capacidade sensorial de um homem que se preocupa mais com o indivíduo e com os seus mais profundos dilemas que com a sociedade em que este possa estar inserido. E nesta espécie de conspiração do silêncio que une as personagens numa narrativa sóbria mas que nos oferece uma espantosa recriação do maremoto ocorrido no Índico há um par de anos atrás, emerge um actor extraordinário numa interpretação paradoxalmente humilde e cintilante pela sua extrema sensibilidade: Matt Damon.

«Hereafter – Outra Vida», de Clint Eastwood, com Matt Damon












6.


«Indomável»


Goste-se ou deteste-se, ninguém fica indiferente ao cinema de Joel e Ethan Coen. E o sentido de humor aliado à qualidade do texto assente em diálogos vivos e inteligentes prova que mais do que nos deixar durante dias e dias a pensar nos seus filmes, estes servem sobretudo para que o espectador desfrute deles. E apesar do filme estar mais próximo do poema nostálgico que da comédia insana, «Indomável» também é assim. E, com inteiro merecimento, é também um dos ‘meus’ Dez Mais de 2011.

«True Grit», de Joel e Ethan Coen, com Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon e Josh Brolin







7.


«Um Método Perigoso»


A grande virtude do filme «Um Método Perigoso» é a de evidenciar que mais sedutor que perceber quais as complicações que levaram à doença psicológica, só mesmo a sagacidade mental de quem não pretende curar obrigando o doente a comportar-se através daquilo que o mundo espera dele, mas antes dar-lhe a perceber que apesar da sua aparente imperfeição há um lugar para si no mundo. E isso nunca através de um rótulo de anormalidade mas sim de aceitação da diferença. 

«A Dangerous Method», de David Cronenberg, com Michael Fassbender, Keira Knightley, Viggo Mortensen e Vincent Cassel






8.


«Meia Noite em Paris»



«Midnight in Paris», no seu título original, marcou o regresso em grande estilo do génio de Woody Allen num argumento brilhante, numa fotografia esplêndida recheada de personagens radiosas deste e de outros tempos, personagens da nossa história, vultos de sempre. E embora «Meia-noite em Paris» seja apenas um pequeno filme deixa de o ser porquanto se vai agigantando em nós fazendo-nos crer nas potencialidades do sonho e na validade de perseguirmos a nossa felicidade sem medo de cortar amarras e quebrar regras. Entrada directa para a lista dos Dez Mais.



«Midnight in Paris», de Woody Allen, com Owen Wilson, Rachel McAdams, Marion Cotillard, Adrien Brody, Kathy Bates, outros







9.


«Num Mundo Melhor»


Porque Susanne Bier e o seu filme merecem e porque é mesmo verdade que os actores e actrizes europeus têm verrugas na cara, varizes nas pernas e nem todos frequentam o Health Club lá do sítio, ou seja, são pessoas como a maioria de nós e não como aqueles caralhos dos americanos que acordam já barbeados e bem penteados e não cheiram mal da boca.

«In a Better World», de Susanne Bier, com Mikael Persbrandt e Trine Dyrholm





10.


«A Casa dos Sonhos»


Jim Sheridan e Daniel Craig contribuíram de forma decisiva para o sucesso de um filme surpreendente e mal amado, «A Casa dos Sonhos». Até porque este não é um filme de terror clássico como aparenta, é, quando muito, sobre o terror que invade a mente humana e a molda sob um escudo protector. Um dos dez mais, na minha opinião.
 
«Dream House», de Jim Sheridan, com Daniel Craig, Rachel Weisz e Naomi Watts


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Vermelho directo



Ele pediu-lhe para ela dar dez cartões vermelhos no blogue. Mas ela apenas deu nove. Guardou o décimo no bolso já que fazia questão de lho dar pessoalmente.


Don't Give Up

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Feliz Natal






FNAC do CC Vasco da Gama, Lisboa, hoje, cerca das dez e trinta da noite. Uma criança de pouco mais de 7, 8 anos corre. De repente, ouve-se um pequeno estrondo e vê-se um telemóvel vermelho a cair ao chão. A criança, ainda sem reparar que foi o seu aparelho que se desmontou com o aparato da queda no chão da loja, olha em desespero para o pai e balbucia um ‘não fui eu’ amedrontado. Mas de repente fica lavada em lágrimas ao perceber o óbvio. Então, o pai ajoelha-se, puxa a criança contra si e abraça-a com um braço enquanto estica o outro para apanhar o telemóvel. Educar também é isto: saber perdoar e saber cuidar. Feliz Natal!


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O predestinado


Chamam-lhe louco e ele responde que não, que é simplesmente um optimista. Há dias, apesar dos seus quarenta e picos, convenceu um amigo a pagar-lhe uma mariscada se conseguisse fazer uma série de seis ‘cavalinhos’ com a velhinha Yamaha que tinha sido do pai. Escolheu a marginal para o feito e partiu a perna esquerda em três lados. Por vezes um pouquinho de pessimismo pode ser uma virtude e fazer bem à saúde.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Promoções



Hoje esqueci-me do telemóvel durante um par de horas e ao chegar junto dele tinha na caixa de mensagens uma boa meia dúzia de SMS de lojas a incitarem-me a aderir às promoções dos seus produtos. Nunca gostei de promoções. E não hei-de esquecer um episódio que me aconteceu em miúdo quando comprei muito barato no supermercado uma telefonia que descobri depois vir pré-sintonizada numa rádio alemã. Naquela altura achei piada ao sotaque dos locutores mas não percebia peva do que diziam. Para agravar a coisa, a música que tocava no aparelho provocava-me um formigueiro estranho nos ouvidos. Percebi então que bem tinha feito a loja em livrar-se de tamanho bluff. O pior mesmo foi quando troquei o rádio por uma barra de chocolate com o filho do alfaiate e ganhei com isso uma enorme dor de dentes. Conclusão, parem lá com as SMS porque se mais não for as promoções são muito beras para os dentes.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Capa de revista






O casting foi duro, no final éramos apenas nós dois. E eu nada pude fazer contra o facto de não ser americano e ele sim.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Drive - Risco Duplo





Um actor, uma banda sonora, uma realização, um filme de culto

«Drive», do dinamarquês Nicolas Winding Refn, é um exercício de estilo fantástico, é um hino ao lirismo visual, é nostalgia do início ao fim. «Drive» tem uma das mais fantásticas bandas sonoras dos últimos tempos no cinema americano, tem planos aéreos sobre Los Angeles, perseguições nas suas ruas míticas, tem amor, sacrifício, sensibilidade, violência, lealdade, traição, paixão e morte.
«Drive – Risco Duplo» tem ainda um Ryan Gosling absolutamente fenomenal. Ele é a imagem do anti-herói, do ser humano desenraizado da sociedade que o ladeia, é o homem mais sensível e o mais duro, é uma espécie de cow-boy solitário que conduz como ninguém uma máquina de muitos cavalos, é o lutador silencioso.
Porque a vida nem sempre é como a queremos viver e é possível o sacrifício por amor, porque o rosto sereno e aparentemente tranquilo de um homem pode esconder o âmago mais inquieto e as aparências iludem, porque a vida tem que ser vivida ainda que estranhemos os labirintos para que ela nos empurra e perante esse fatalismo a redenção pode significar perda e sofrimento vale a pena ver este filme.
E sobre «Drive» não lerão nem mais uma palavra escrita por mim. A não ser confirmar que o cinema é arte e uma máquina de fabricar emoções absolutamente fantástica e arrebatadora.

«Drive», de Nicolas Winding Refn, com Ryan Gosling e Carey Mulligan

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A cor da camisola



Esta tarde parei o carro na área de serviço da Mealhada, sentido sul-norte, no intuito de tomar um café e beber uma água. Quando me sentei na esplanada, um miúdo dirigiu-se a mim com a camisola do FC Porto vestida e, perante a minha estupefacção, disparou-me a pergunta. Sabes por que é que as pessoas quando morrem ficam de olhos abertos? Incrédulo com a questão, olhei para os lados à procura da ajuda dos pais do rapaz mas estes estavam sabe-se lá onde. Lembrei-me do jogo desta noite do FC Porto e tentei desarmá-lo dizendo que era adepto do Zenit. Pouco afectado com a revelação, insistiu. Não sabes? Então responde. Em último recurso, quase gritei: sou do Benfica! O miúdo olhou para mim de soslaio, deu meia volta e desapareceu algures no interior do restaurante.


domingo, 4 de dezembro de 2011

A melancolia tem um rosto

[Foto do site 'Touch me, Touch me']





E é feminino. Passeava-se esta tarde na Fnac do Chiado, trazia numa das mãos um filme de Clint Eastwood e na outra segurava o Samsung Galaxy SII negro encostado à orelha esquerda enquanto falava ao telemóvel. Depois desligou o aparelho e, provocada pela minha curiosidade, olhou-me nos olhos, baixou o olhar, deu meia-volta e dirigiu-se para a zona das caixas. Não tive mais notícias dela.





Sócrates, o doutor

[Sócrates com a camisola da Selecção do Brasil]




O doutor morreu

Eu era ainda um miúdo mas lembro-me bem que naquela noite o Café Central estava repleto. Estávamos em 1982 e o fumo do tabaco batia contra o tecto escurecido e quase tornava invisível o ecrã da televisão estrategicamente colocado num dos cantos da sala. O barulho ensurdecedor das conversas exultantes nas mesas terminou assim que o homem de preto apitou para que Brasil e União Soviética fizessem rodar a bola na quente Sevilha em jogo para o Mundial de Futebol Espanha82. Os soviéticos, possuidores de uma equipa sólida, começaram a ganhar o jogo até que, já na 2ª parte, Sócrates recebe a bola de um ressalto à entrada da área, finta dois adversários e remata forte sem que Dasaev conseguisse impedir que a bola entrasse no canto superior direito da sua baliza apesar de se ter esticado até ao limite. E na sua corrida para a glória, a algazarra de júbilo que vinha das bancadas deve ter soado longínqua a Sócrates. O Brasil acabaria por vencer esse jogo.
Do alto do seu metro e noventa e um, capitão da selecção, Sócrates era um jogador elegante e dono de um passe milimétrico. Licenciado em medicina, era conhecido pelo Doutor. Mas as suas actividades sociais estendiam-se até à política lutando pelos direitos dos jogadores de futebol e até contra o regime brasileiro de então. Jogou ainda no Mundial do México, mas, para mim, a grande selecção de que fez parte foi mesmo a do Mundial de Espanha, eliminada muito cedo por uma Itália de futebol calculista em contraponto ao melhor futebol do mundo exibido pelo Brasil de então. Mas a vida não é feita do bonito jogo de régua e esquadro de Sócrates e o ser humano nem sempre procura o melhor refúgio para se libertar. E Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o doutor, morreu hoje vítima de uma infecção intestinal a que certamente a sua conhecida dependência do álcool não será alheia. Sócrates viveu com quantas forças tinha e talvez julgasse correr no tapete verde do relvado disposto a acabar rapidamente com um jogo que já não se julgava capaz de vencer. Que descanse em paz.



sábado, 3 de dezembro de 2011

Assim como assim...




…apanho o 727.

Melancolia






O apocalipse segundo Lars von Trier, Capítulo Terceiro

Cada vez que se fala de Lars von Trier é inevitável falar-se de Dogma 95 e da forma como, em parceria com Thomas Vinterberg, o realizador dinamarquês buscou uma nova reinvenção do cinema a partir exactamente das suas bases negando toda a nova tecnologia associada. No entanto, é inútil manter este discurso já que a depressão em que caiu o próprio Lars von Trier se estendeu ao seu cinema de uma forma que chega a ser penosa para o espectador. Foi assim com «Dogville» [2003], o mesmo se passou com «Anticristo» [2009] e acontece agora com este «Melancolia» [2011]. De facto, o mais recente filme do homem que nos deu, entre outros, «Ondas de Paixão» [1996] e «Dancer in the Dark» [2000] não passa de um exercício inútil de querer pensar as pessoas, a sociedade e o próprio mundo através de um cenário apocalíptico que arrasa tudo sem deixar rasto de nada. A acumular, o facto de muito pouco do que contem esta visão negativista de Lars von Trier da realidade que o rodeia constituir qualquer novidade para os amantes de cinema. Talvez a descoberta de um novo planeta no firmamento.
O filme até possui um elenco invejável onde pontificam Kirsten Dunst, a mulher que no filme personifica um estado tal de depressão que não só seca tudo à sua volta como é inútil qualquer antídoto que vise a sua cura, Charlotte Gainsbourg e Kiefer Sutherland a par de nomes incontornáveis da representação como Charlotte Rampling, John Hurt e Stellan Skarsgärd. Mas em vez de dar credibilidade a «Melancolia» este pormenor do casting só acarreta uma carga negativa ainda maior já que defendendo personagens sem qualquer espessura dramática, na maior parte dos casos, e de um dramatismo exagerado ou desfasado, noutros casos, faz com que os actores acabem por se afundar com o filme enquanto o espectador vai procurando inutilmente uma ponta de racionalidade onde os critérios lógicos são inexistentes. Dir-se-á que essa pode ser uma característica das grandes obras de arte mas eu acredito que em cinema a discussão não pode nunca ser apenas a qualidade ou não do filme em si mas sim o que este debate. E a par da questão ligada à razão, a emoção não só necessita ser posta à prova como a narrativa deve conter atributos que prendam o espectador à tela. E para mim nada disso acontece em «Melancholia» que é, afinal, um planeta que vem destruir outro planeta, o nosso.
Por tudo isto, é também quase uma fatalidade comparar-se esta obra a «A Árvore da Vida», de Terrence Malick. E aí, pese a excelente música de Richard Wagner em «Melancolia», há toda uma dimensão poética e filosófica aliada a uma certa serenidade ligada à própria concepção do filme que abafa completamente este estado anímico depressivo em que (sobre)vive o cinema do tal realizador que um dia criou um movimento chamado Dogma 95: luz natural, câmara às costas, ausência de efeitos especiais e amor pelo cinema. Velhos tempos, águas passadas, há que o dizer.

«Melancholia», de Lars von Trier, com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg e Kiefer Sutherland

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Do amor & etc.

[A modelo fotográfico Iga A., gosto de a ver trabalhar]





Ontem almocei com um colega de trabalho na Golegã no restaurante ‘Lusitanus’ que aconselho porque tem uma boa cozinha, é agradável e dá para a praça onde se celebra de forma singular a arte equestre. Ao nosso lado, numa mesa próxima, uma mulher lindíssima parecida com a modelo Iga A. mas que aparentemente é professora e dá aulas naquela vila ribatejana, revelava-se perdida de amores por um homem bem mais velho, barba e cabelos brancos perante o espanto e [digo eu] a inveja do meu parceiro de refeição. E de repente passaram defronte de mim todas aquelas séries da Fox, AXN e outros canais, as telenovelas das oito e outros modelos de perfeição, filmes com modelos jovens, eles e elas rijos de carnes, eles e elas de corpos tonificados, mulheres geneticamente modificadas e não pude deixar de pensar que a vida não é o que nos enfiam olhos dentro, que a fasquia não pode ser colocada tão alta e que é preciso que aprendamos a gostar das pessoas que somos, tal como somos e não como nos querem convencer que deveríamos ser. E nem sequer perdi tempo a apaziguar o ar incrédulo de quem almoçava comigo dizendo-lhe o óbvio, que o que ele via ali ao seu lado não era mais que amor, que o amor. Ou a vida tal como ela deve ser vivida, sem artificialismos nem recurso à ficção. No meu silêncio, recordei-me apenas de uma citação que li algures por aí do filme «Control», de Anton Corbijn, quando a amante de Ian Curtis resvala levemente da cama ainda quente pelo calor transpirado do amor, se vira para Curtis com toda a ternura do mundo e lhe diz como ele é deprimente. E diz-lho como se lhe fizesse a mais bela declaração de amor de que há memória. É mesmo isso, o amor tem muitas mais possibilidades que as nossas cabecinhas limitadas podem prever.