domingo, 4 de dezembro de 2011

Sócrates, o doutor

[Sócrates com a camisola da Selecção do Brasil]




O doutor morreu

Eu era ainda um miúdo mas lembro-me bem que naquela noite o Café Central estava repleto. Estávamos em 1982 e o fumo do tabaco batia contra o tecto escurecido e quase tornava invisível o ecrã da televisão estrategicamente colocado num dos cantos da sala. O barulho ensurdecedor das conversas exultantes nas mesas terminou assim que o homem de preto apitou para que Brasil e União Soviética fizessem rodar a bola na quente Sevilha em jogo para o Mundial de Futebol Espanha82. Os soviéticos, possuidores de uma equipa sólida, começaram a ganhar o jogo até que, já na 2ª parte, Sócrates recebe a bola de um ressalto à entrada da área, finta dois adversários e remata forte sem que Dasaev conseguisse impedir que a bola entrasse no canto superior direito da sua baliza apesar de se ter esticado até ao limite. E na sua corrida para a glória, a algazarra de júbilo que vinha das bancadas deve ter soado longínqua a Sócrates. O Brasil acabaria por vencer esse jogo.
Do alto do seu metro e noventa e um, capitão da selecção, Sócrates era um jogador elegante e dono de um passe milimétrico. Licenciado em medicina, era conhecido pelo Doutor. Mas as suas actividades sociais estendiam-se até à política lutando pelos direitos dos jogadores de futebol e até contra o regime brasileiro de então. Jogou ainda no Mundial do México, mas, para mim, a grande selecção de que fez parte foi mesmo a do Mundial de Espanha, eliminada muito cedo por uma Itália de futebol calculista em contraponto ao melhor futebol do mundo exibido pelo Brasil de então. Mas a vida não é feita do bonito jogo de régua e esquadro de Sócrates e o ser humano nem sempre procura o melhor refúgio para se libertar. E Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o doutor, morreu hoje vítima de uma infecção intestinal a que certamente a sua conhecida dependência do álcool não será alheia. Sócrates viveu com quantas forças tinha e talvez julgasse correr no tapete verde do relvado disposto a acabar rapidamente com um jogo que já não se julgava capaz de vencer. Que descanse em paz.



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