quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Os filmes de 2011

 
 
Os Dez Mais do Ano

Houve muitos e bons filmes em 2011. Para além destes houve outros e entre todos há sempre os que nos tocam particularmente. Daí que no ano que agora acaba, os que abaixo se destaca foram os filmes que mais e melhor me fizeram sentir que o cinema é de facto uma das mais fantásticas formas de arte que o homem criou. Em minha defesa, fica a convicção pessoal de que hoje penso assim mas amanhã poderei pensar de forma diferente. Não por incoerência, mas porque o passar do tempo, a vida, nos vai esculpindo na forma de sentirmos, pensarmos, de sermos.
Em 2011 houve igualmente lugar para as decepções. À cabeça, pela sua irritante descrença no ser humano e porque fazer cinema não é a única forma de psicanálise que existe, «Melancolia», de Lars Von Trier. E por insistir na podridão e no choque sem que se vislumbre intervenção construtiva nos seus filmes, bem de perto, a morder-lhe os calcanhares, «Biutiful», de Alejandro González Iñárritu.
 


1.


«Cisne Negro»


De «Cisne Negro» ficou-nos o fascínio por um filme extraordinário e uma sentida admiração pelo trabalho de uma actriz. E isto por mais obscura que seja a história que nos é contada e angustiante o perfil psicológico da sua personagem principal.

«Black Swan», de Darren Aronofsky, com Natalie Portman, Vincente Cassel, Mila Kunis e Winona Ryder







2.


«Pequenas Mentiras Entre Amigos»


Eles são um grupo de amigos entre os trinta e os quarenta anos. Uns vivem relacionamentos que já conheceram melhores dias, outros são casados e até têm filhos. Aparentemente felizes, quando à noite as luzes se apagam vêm ao de cima a fragilidade e desorientação de que são afinal vítimas. Para rir muito e chorar ainda mais e o cinema como celebração da vida. Indiscutivelmente, um dos grandes filmes de 2011.
 
 
«Les Petits Mouchoirs», de Guillaume Canet, com Marion Cotillard, Benoît Magimel, Gilles Lelouche, Laurent Lafitte e François Cluzet






3.



«Drive – Risco Duplo»


Porque a vida nem sempre é como a queremos viver e é possível o sacrifício por amor, porque o rosto sereno e aparentemente tranquilo de um homem pode esconder o âmago mais inquieto e as aparências iludem, porque a vida tem que ser vivida ainda que estranhemos os labirintos para que ela nos empurra e perante esse fatalismo a redenção pode significar perda e sofrimento, «Drive – Risco Duplo» é para mim a mais reconfortante surpresa nas estreias de cinema em 2011.

«Drive», de Nicolas Winding Refn, com Ryan Gosling e Carey Mulligan










4.

  
«A Árvore da Vida»


Numa viagem à América do pós-guerra e num Texas bucólico, os O’brien dividem-se entre um pai disciplinador, uma mãe doce e três crianças meio à deriva. Mas eles e nós também somos filhos, pais, seres que habitam este universo numa espécie de trânsito para a morte. Um universo onde vale bem mais acreditar que há tanto para viver até ao dia final ao invés de crer noutra vida esquecendo esta.
«The Tree of Life», de Terrence Malick, com Brad Pitt, Sean Penn e Jessica Chastain








5.



«Hereafter – Outra Vida»


«Hereafter – Outra Vida» é um filme que promete falar da morte mas que opta por dissertar sobre a vida. Uma história, ou um mosaico de histórias que se cruzam na estranha capacidade sensorial de um homem que se preocupa mais com o indivíduo e com os seus mais profundos dilemas que com a sociedade em que este possa estar inserido. E nesta espécie de conspiração do silêncio que une as personagens numa narrativa sóbria mas que nos oferece uma espantosa recriação do maremoto ocorrido no Índico há um par de anos atrás, emerge um actor extraordinário numa interpretação paradoxalmente humilde e cintilante pela sua extrema sensibilidade: Matt Damon.

«Hereafter – Outra Vida», de Clint Eastwood, com Matt Damon












6.


«Indomável»


Goste-se ou deteste-se, ninguém fica indiferente ao cinema de Joel e Ethan Coen. E o sentido de humor aliado à qualidade do texto assente em diálogos vivos e inteligentes prova que mais do que nos deixar durante dias e dias a pensar nos seus filmes, estes servem sobretudo para que o espectador desfrute deles. E apesar do filme estar mais próximo do poema nostálgico que da comédia insana, «Indomável» também é assim. E, com inteiro merecimento, é também um dos ‘meus’ Dez Mais de 2011.

«True Grit», de Joel e Ethan Coen, com Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon e Josh Brolin







7.


«Um Método Perigoso»


A grande virtude do filme «Um Método Perigoso» é a de evidenciar que mais sedutor que perceber quais as complicações que levaram à doença psicológica, só mesmo a sagacidade mental de quem não pretende curar obrigando o doente a comportar-se através daquilo que o mundo espera dele, mas antes dar-lhe a perceber que apesar da sua aparente imperfeição há um lugar para si no mundo. E isso nunca através de um rótulo de anormalidade mas sim de aceitação da diferença. 

«A Dangerous Method», de David Cronenberg, com Michael Fassbender, Keira Knightley, Viggo Mortensen e Vincent Cassel






8.


«Meia Noite em Paris»



«Midnight in Paris», no seu título original, marcou o regresso em grande estilo do génio de Woody Allen num argumento brilhante, numa fotografia esplêndida recheada de personagens radiosas deste e de outros tempos, personagens da nossa história, vultos de sempre. E embora «Meia-noite em Paris» seja apenas um pequeno filme deixa de o ser porquanto se vai agigantando em nós fazendo-nos crer nas potencialidades do sonho e na validade de perseguirmos a nossa felicidade sem medo de cortar amarras e quebrar regras. Entrada directa para a lista dos Dez Mais.



«Midnight in Paris», de Woody Allen, com Owen Wilson, Rachel McAdams, Marion Cotillard, Adrien Brody, Kathy Bates, outros







9.


«Num Mundo Melhor»


Porque Susanne Bier e o seu filme merecem e porque é mesmo verdade que os actores e actrizes europeus têm verrugas na cara, varizes nas pernas e nem todos frequentam o Health Club lá do sítio, ou seja, são pessoas como a maioria de nós e não como aqueles caralhos dos americanos que acordam já barbeados e bem penteados e não cheiram mal da boca.

«In a Better World», de Susanne Bier, com Mikael Persbrandt e Trine Dyrholm





10.


«A Casa dos Sonhos»


Jim Sheridan e Daniel Craig contribuíram de forma decisiva para o sucesso de um filme surpreendente e mal amado, «A Casa dos Sonhos». Até porque este não é um filme de terror clássico como aparenta, é, quando muito, sobre o terror que invade a mente humana e a molda sob um escudo protector. Um dos dez mais, na minha opinião.
 
«Dream House», de Jim Sheridan, com Daniel Craig, Rachel Weisz e Naomi Watts


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Vermelho directo



Ele pediu-lhe para ela dar dez cartões vermelhos no blogue. Mas ela apenas deu nove. Guardou o décimo no bolso já que fazia questão de lho dar pessoalmente.


Don't Give Up

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Feliz Natal






FNAC do CC Vasco da Gama, Lisboa, hoje, cerca das dez e trinta da noite. Uma criança de pouco mais de 7, 8 anos corre. De repente, ouve-se um pequeno estrondo e vê-se um telemóvel vermelho a cair ao chão. A criança, ainda sem reparar que foi o seu aparelho que se desmontou com o aparato da queda no chão da loja, olha em desespero para o pai e balbucia um ‘não fui eu’ amedrontado. Mas de repente fica lavada em lágrimas ao perceber o óbvio. Então, o pai ajoelha-se, puxa a criança contra si e abraça-a com um braço enquanto estica o outro para apanhar o telemóvel. Educar também é isto: saber perdoar e saber cuidar. Feliz Natal!


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O predestinado


Chamam-lhe louco e ele responde que não, que é simplesmente um optimista. Há dias, apesar dos seus quarenta e picos, convenceu um amigo a pagar-lhe uma mariscada se conseguisse fazer uma série de seis ‘cavalinhos’ com a velhinha Yamaha que tinha sido do pai. Escolheu a marginal para o feito e partiu a perna esquerda em três lados. Por vezes um pouquinho de pessimismo pode ser uma virtude e fazer bem à saúde.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Promoções



Hoje esqueci-me do telemóvel durante um par de horas e ao chegar junto dele tinha na caixa de mensagens uma boa meia dúzia de SMS de lojas a incitarem-me a aderir às promoções dos seus produtos. Nunca gostei de promoções. E não hei-de esquecer um episódio que me aconteceu em miúdo quando comprei muito barato no supermercado uma telefonia que descobri depois vir pré-sintonizada numa rádio alemã. Naquela altura achei piada ao sotaque dos locutores mas não percebia peva do que diziam. Para agravar a coisa, a música que tocava no aparelho provocava-me um formigueiro estranho nos ouvidos. Percebi então que bem tinha feito a loja em livrar-se de tamanho bluff. O pior mesmo foi quando troquei o rádio por uma barra de chocolate com o filho do alfaiate e ganhei com isso uma enorme dor de dentes. Conclusão, parem lá com as SMS porque se mais não for as promoções são muito beras para os dentes.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Capa de revista






O casting foi duro, no final éramos apenas nós dois. E eu nada pude fazer contra o facto de não ser americano e ele sim.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Drive - Risco Duplo





Um actor, uma banda sonora, uma realização, um filme de culto

«Drive», do dinamarquês Nicolas Winding Refn, é um exercício de estilo fantástico, é um hino ao lirismo visual, é nostalgia do início ao fim. «Drive» tem uma das mais fantásticas bandas sonoras dos últimos tempos no cinema americano, tem planos aéreos sobre Los Angeles, perseguições nas suas ruas míticas, tem amor, sacrifício, sensibilidade, violência, lealdade, traição, paixão e morte.
«Drive – Risco Duplo» tem ainda um Ryan Gosling absolutamente fenomenal. Ele é a imagem do anti-herói, do ser humano desenraizado da sociedade que o ladeia, é o homem mais sensível e o mais duro, é uma espécie de cow-boy solitário que conduz como ninguém uma máquina de muitos cavalos, é o lutador silencioso.
Porque a vida nem sempre é como a queremos viver e é possível o sacrifício por amor, porque o rosto sereno e aparentemente tranquilo de um homem pode esconder o âmago mais inquieto e as aparências iludem, porque a vida tem que ser vivida ainda que estranhemos os labirintos para que ela nos empurra e perante esse fatalismo a redenção pode significar perda e sofrimento vale a pena ver este filme.
E sobre «Drive» não lerão nem mais uma palavra escrita por mim. A não ser confirmar que o cinema é arte e uma máquina de fabricar emoções absolutamente fantástica e arrebatadora.

«Drive», de Nicolas Winding Refn, com Ryan Gosling e Carey Mulligan

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A cor da camisola



Esta tarde parei o carro na área de serviço da Mealhada, sentido sul-norte, no intuito de tomar um café e beber uma água. Quando me sentei na esplanada, um miúdo dirigiu-se a mim com a camisola do FC Porto vestida e, perante a minha estupefacção, disparou-me a pergunta. Sabes por que é que as pessoas quando morrem ficam de olhos abertos? Incrédulo com a questão, olhei para os lados à procura da ajuda dos pais do rapaz mas estes estavam sabe-se lá onde. Lembrei-me do jogo desta noite do FC Porto e tentei desarmá-lo dizendo que era adepto do Zenit. Pouco afectado com a revelação, insistiu. Não sabes? Então responde. Em último recurso, quase gritei: sou do Benfica! O miúdo olhou para mim de soslaio, deu meia volta e desapareceu algures no interior do restaurante.


domingo, 4 de dezembro de 2011

A melancolia tem um rosto

[Foto do site 'Touch me, Touch me']





E é feminino. Passeava-se esta tarde na Fnac do Chiado, trazia numa das mãos um filme de Clint Eastwood e na outra segurava o Samsung Galaxy SII negro encostado à orelha esquerda enquanto falava ao telemóvel. Depois desligou o aparelho e, provocada pela minha curiosidade, olhou-me nos olhos, baixou o olhar, deu meia-volta e dirigiu-se para a zona das caixas. Não tive mais notícias dela.





Sócrates, o doutor

[Sócrates com a camisola da Selecção do Brasil]




O doutor morreu

Eu era ainda um miúdo mas lembro-me bem que naquela noite o Café Central estava repleto. Estávamos em 1982 e o fumo do tabaco batia contra o tecto escurecido e quase tornava invisível o ecrã da televisão estrategicamente colocado num dos cantos da sala. O barulho ensurdecedor das conversas exultantes nas mesas terminou assim que o homem de preto apitou para que Brasil e União Soviética fizessem rodar a bola na quente Sevilha em jogo para o Mundial de Futebol Espanha82. Os soviéticos, possuidores de uma equipa sólida, começaram a ganhar o jogo até que, já na 2ª parte, Sócrates recebe a bola de um ressalto à entrada da área, finta dois adversários e remata forte sem que Dasaev conseguisse impedir que a bola entrasse no canto superior direito da sua baliza apesar de se ter esticado até ao limite. E na sua corrida para a glória, a algazarra de júbilo que vinha das bancadas deve ter soado longínqua a Sócrates. O Brasil acabaria por vencer esse jogo.
Do alto do seu metro e noventa e um, capitão da selecção, Sócrates era um jogador elegante e dono de um passe milimétrico. Licenciado em medicina, era conhecido pelo Doutor. Mas as suas actividades sociais estendiam-se até à política lutando pelos direitos dos jogadores de futebol e até contra o regime brasileiro de então. Jogou ainda no Mundial do México, mas, para mim, a grande selecção de que fez parte foi mesmo a do Mundial de Espanha, eliminada muito cedo por uma Itália de futebol calculista em contraponto ao melhor futebol do mundo exibido pelo Brasil de então. Mas a vida não é feita do bonito jogo de régua e esquadro de Sócrates e o ser humano nem sempre procura o melhor refúgio para se libertar. E Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o doutor, morreu hoje vítima de uma infecção intestinal a que certamente a sua conhecida dependência do álcool não será alheia. Sócrates viveu com quantas forças tinha e talvez julgasse correr no tapete verde do relvado disposto a acabar rapidamente com um jogo que já não se julgava capaz de vencer. Que descanse em paz.



sábado, 3 de dezembro de 2011

Assim como assim...




…apanho o 727.

Melancolia






O apocalipse segundo Lars von Trier, Capítulo Terceiro

Cada vez que se fala de Lars von Trier é inevitável falar-se de Dogma 95 e da forma como, em parceria com Thomas Vinterberg, o realizador dinamarquês buscou uma nova reinvenção do cinema a partir exactamente das suas bases negando toda a nova tecnologia associada. No entanto, é inútil manter este discurso já que a depressão em que caiu o próprio Lars von Trier se estendeu ao seu cinema de uma forma que chega a ser penosa para o espectador. Foi assim com «Dogville» [2003], o mesmo se passou com «Anticristo» [2009] e acontece agora com este «Melancolia» [2011]. De facto, o mais recente filme do homem que nos deu, entre outros, «Ondas de Paixão» [1996] e «Dancer in the Dark» [2000] não passa de um exercício inútil de querer pensar as pessoas, a sociedade e o próprio mundo através de um cenário apocalíptico que arrasa tudo sem deixar rasto de nada. A acumular, o facto de muito pouco do que contem esta visão negativista de Lars von Trier da realidade que o rodeia constituir qualquer novidade para os amantes de cinema. Talvez a descoberta de um novo planeta no firmamento.
O filme até possui um elenco invejável onde pontificam Kirsten Dunst, a mulher que no filme personifica um estado tal de depressão que não só seca tudo à sua volta como é inútil qualquer antídoto que vise a sua cura, Charlotte Gainsbourg e Kiefer Sutherland a par de nomes incontornáveis da representação como Charlotte Rampling, John Hurt e Stellan Skarsgärd. Mas em vez de dar credibilidade a «Melancolia» este pormenor do casting só acarreta uma carga negativa ainda maior já que defendendo personagens sem qualquer espessura dramática, na maior parte dos casos, e de um dramatismo exagerado ou desfasado, noutros casos, faz com que os actores acabem por se afundar com o filme enquanto o espectador vai procurando inutilmente uma ponta de racionalidade onde os critérios lógicos são inexistentes. Dir-se-á que essa pode ser uma característica das grandes obras de arte mas eu acredito que em cinema a discussão não pode nunca ser apenas a qualidade ou não do filme em si mas sim o que este debate. E a par da questão ligada à razão, a emoção não só necessita ser posta à prova como a narrativa deve conter atributos que prendam o espectador à tela. E para mim nada disso acontece em «Melancholia» que é, afinal, um planeta que vem destruir outro planeta, o nosso.
Por tudo isto, é também quase uma fatalidade comparar-se esta obra a «A Árvore da Vida», de Terrence Malick. E aí, pese a excelente música de Richard Wagner em «Melancolia», há toda uma dimensão poética e filosófica aliada a uma certa serenidade ligada à própria concepção do filme que abafa completamente este estado anímico depressivo em que (sobre)vive o cinema do tal realizador que um dia criou um movimento chamado Dogma 95: luz natural, câmara às costas, ausência de efeitos especiais e amor pelo cinema. Velhos tempos, águas passadas, há que o dizer.

«Melancholia», de Lars von Trier, com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg e Kiefer Sutherland

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Do amor & etc.

[A modelo fotográfico Iga A., gosto de a ver trabalhar]





Ontem almocei com um colega de trabalho na Golegã no restaurante ‘Lusitanus’ que aconselho porque tem uma boa cozinha, é agradável e dá para a praça onde se celebra de forma singular a arte equestre. Ao nosso lado, numa mesa próxima, uma mulher lindíssima parecida com a modelo Iga A. mas que aparentemente é professora e dá aulas naquela vila ribatejana, revelava-se perdida de amores por um homem bem mais velho, barba e cabelos brancos perante o espanto e [digo eu] a inveja do meu parceiro de refeição. E de repente passaram defronte de mim todas aquelas séries da Fox, AXN e outros canais, as telenovelas das oito e outros modelos de perfeição, filmes com modelos jovens, eles e elas rijos de carnes, eles e elas de corpos tonificados, mulheres geneticamente modificadas e não pude deixar de pensar que a vida não é o que nos enfiam olhos dentro, que a fasquia não pode ser colocada tão alta e que é preciso que aprendamos a gostar das pessoas que somos, tal como somos e não como nos querem convencer que deveríamos ser. E nem sequer perdi tempo a apaziguar o ar incrédulo de quem almoçava comigo dizendo-lhe o óbvio, que o que ele via ali ao seu lado não era mais que amor, que o amor. Ou a vida tal como ela deve ser vivida, sem artificialismos nem recurso à ficção. No meu silêncio, recordei-me apenas de uma citação que li algures por aí do filme «Control», de Anton Corbijn, quando a amante de Ian Curtis resvala levemente da cama ainda quente pelo calor transpirado do amor, se vira para Curtis com toda a ternura do mundo e lhe diz como ele é deprimente. E diz-lho como se lhe fizesse a mais bela declaração de amor de que há memória. É mesmo isso, o amor tem muitas mais possibilidades que as nossas cabecinhas limitadas podem prever.



terça-feira, 29 de novembro de 2011

A dança dos corpos




O Sol ainda brilha por entre os estores gastos pelo ir e devir de uma vida de altos e baixos. Mas na sala há uma luz forte acesa sobre ambos. Ele está uma pilha de nervos como se fosse a sua primeira vez. Deitado de barriga para cima espera impacientemente por ela e quando ela chega junto dele toca-lhe ao de leve nos lábios. O homem entreabre a boca, não contém o impulso que leva a que as suas pernas rocem as dela, Junto à cintura, já perto da barriga. A mulher move-se um pouco, procura uma posição melhor, mais confortável. Mantém-se nas mesmas posições por momentos com leves oscilações dos corpos. De repente ela quase grita, ouve-se um bramido de júbilo e ele olha-a aliviado. Nas mãos da dentista pode então observar-se já muito cariado o segundo pré-molar superior que ela acabara de extrair ao homem.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Tão profundo como o mar






Tenho para comigo que apesar de ser uma hipótese remota, Agostinho da Silva chegou a ler algo do que escrevo. É que apesar de falar na primeira pessoa do singular, o pensador só poderia estar a referir-se a mim quando suspeitou que muito do que escrevia podia parecer profundo mas por ser tão atrapalhado.

domingo, 27 de novembro de 2011

Nos Idos de Março






A oeste nada de novo

«Nos Idos de Março» podia ser um filme sobre políticos corruptos. Ou sobre como se joga sujo nos bastidores da política a alto nível e de como é tão fácil para gente que se propõe representar o povo cair em tentação ou mesmo trair sem pestanejar. Mas não, o novo filme do multifacetado George Clooney, aqui no papel de realizador, é, como o próprio afirma, um testamento sobre a moralidade em sentido mais generalista. E é fácil concordar com Clooney neste aspecto particular, porque o que acontece na campanha das primárias do Partido Democrata para encontrar um candidato do partido às eleições para Presidente dos Estados Unidos da América, não é diferente daquilo que acontece no nosso dia-a-dia, nas empresas, nas escolas, ou seja, na vida das pessoas. A diferença é que de um político com evidentes responsabilidades, e também daqueles que o rodeiam, se espera que os seus comportamentos sejam pautados por uma moral que deveria ser inquestionável. Mas isso, não sejamos ingénuos, é coisa em que muito poucos já acreditam. E sendo assim, o que de facto fica em risco? Algo que foi tão difícil de conquistar e temo se esteja a esgotar: a própria democracia, o que é trágico.
Ryan Gosling, um dos actores do momento, interpreta o papel de um idealista director de comunicação da campanha do Governador da Pensylvania [Clooney]. Mas isso, o idealismo do rapaz, é só até que perceba que vale tudo menos tirar olhos no mundo em que se move. E perante isto faz a opção que ninguém desejaria mas que sabemos ser a mais fácil, isto é, vai lutar sem clemência com as mesmas armas dos seus adversários. Ou supostos companheiros. A partir daqui o filme foge à solenidade com que vinha a reger-se, a intriga adensa-se e aquilo que julgávamos até então ser um filme sobre a alta política descamba para o ‘thriller’ comum. O problema deste «The Ides of March», título que alude ao assassinato de Júlio César a 15 de Março de 44 A.C., é que o cinismo é tão bem assumido e a traição tão impiedosamente arquitectada que, tal como na rábula do pobre que desconfia de esmola em demasia, o espectador começa a ficar descrente. E a perceber que afinal está numa sala de cinema, despertando assim do torpor relativo à realidade que é suposto o cinema transmitir. E neste ponto reafirmo uma suspeita minha de quase sempre: a de que mais uma vez funcionam contra os filmes as adaptações de peças de teatro. Digo isto porque há no teatro uma pompa interpretativa ligada ao texto e um certo tipo de rigor de cenários dos quais o cinema dificilmente consegue libertar-se.
O que não é de modo algum negociável, é a riqueza do elenco onde pontificam para além de Gosling e de Clooney nomes como Paul Giamatti, Philip Seymour Hoffman e Marisa Tomei. Apesar disso, e das excelentes interpretações com que nos brindam, mesmo que personalizado por gente tão grande já não é novidade para ninguém a amoralidade com que se fabricam governos. E ao mesmo tempo, a indiferença com que os cidadãos olham para os políticos resignando-se ao que julgam ser uma inevitabilidade. De facto, seja num comício em Cincinnati, Ohio, ou em Vale de Estacas, Santarém, o princípio é o mesmo: criar uma imagem de honra e sentido de dever que todos sabem que mesmo que depois de eleitos o tentassem jamais o conseguiriam pôr em prática. E o porquê disto é simples mas dramático, repito. Porque a democracia soçobrou perante a ditadura do poder económico e financeiro. E é apenas isso que «Nos Idos de Março» nos repete até à exaustão acrescentando muito pouco ao que já sabemos. Mas sendo cinema, acredito que acrescenta alguma espectacularidade, uma maior fotogenia e elegância em contraponto à boçalidade que diariamente nos entra casa dentro através dos políticos que temos.

«In The Ides of March», de George Clooney, com Ryan Gosling, George Clooney, Paul Giamatti, Philip Seymour Hoffman, Evan Rachel Wood e Marisa Tomei


sábado, 26 de novembro de 2011

Um Método Perigoso






Apenas diferentes entre iguais

Evitemos ir ao engano, «Um Método Perigoso», o mais recente filme de David Cronenberg, não é um filme para todos. E não o é sobretudo devido à sua fonte de inspiração, o teatro. Mas já lá vamos porque antes há que esclarecer que dizer isto não é dizer mal da realização de um dos maiores cineastas da actualidade, pelo contrário. De facto, «A Dangerous Method», no seu título original, é formalmente irrepreensível e vive de uma dialéctica incessante mas é de uma complexidade intelectual que pode desarmar os menos interessados pelo seu tema de fundo. E qual é a temática do filme que aborda vagamente a relação entre Sigmund Freud e Carl Jung, pais da psicanálise, para se centrar na paixão deste último pela sua belíssima paciente Sabina Spielrein? Indubitavelmente é o labirinto que constitui a mente humana. Em primeira análise a importância da componente psicológica no comportamento social de cada um de nós, homens e mulheres, mas principalmente o peso da questão sexual nas perturbações da mente.
É sabido que a filmografia de David Cronenberg sempre teve uma carga sexual e visceral intensa e o mesmo sucede com este «Um Método Perigoso». Embora, neste filme, seja de realçar a aproximação a um cinema mais convencional que o habitual nos trabalhos anteriores do canadiano. Ainda assim, confirma-se que paixão e morte, sexo, família, alienação e desvios comportamentais estão lá. Principalmente através da doente autodestrutiva e objecto de desejo que é a personagem de Keira Knightley [Spielrein], do impagável e dramático de uma forma assaz cativante Vincent Cassel [na personagem de Otto Gross] e do homem bom e médico brilhante Carl Jung [interpretado por Michael Fassbender] já que Sigmund Freud [por Viggo Mortensen] vive num patamar acima. Ele é o médico defensor da sua tese como tendo uma base científica, é o homem seguro de si, o pensador erroneamente dogmático, o intelectual convencido e convincente.
Sendo um filme sobre a criação da psicanálise no tratamento de doentes mentais, «Um Método Perigoso» é igualmente a história de um amor intenso, de duas almas gémeas que têm a felicidade de se encontrar, mas, desafortunadamente, de se perderem uma para a outra e, a partir deste dado, da forma como cada um dos amantes vai tentar sobreviver ao fracasso desse amor sem nunca desistir da sua paixão. Paixão arrebatadora que os acompanhará para sempre. E aqui mais uma vez a ética se impõe ao desejo dos corpos e um discutível sentido de dever à avassaladora vontade das almas em desespero. Mas se alguma coisa Cronenberg acrescenta àquilo que foram as vidas de homens tão fundamentais para o progresso da humanidade, é a de evidenciar que mais sedutor que perceber quais as complicações que levaram à doença psicológica só mesmo a sagacidade mental de quem não pretende curar obrigando o doente a comportar-se através daquilo que o mundo espera dele, mas antes dar-lhe a perceber que apesar da sua aparente imperfeição há um lugar para si no mundo. E isso nunca através de um rótulo de anormalidade mas sim de aceitação da diferença.
Excelentes as interpretações de Mortensen e de Fassbender, um tudo-nada burlesca a de Keira Knightley. Já Vincent Cassel volta a roçar a perfeição nos poucos minutos em que se passeia pela tela.
A não perder. Sabendo ao que se vai.


«A Dangerous Method», de David Cronenberg, com Michael Fassbender, Keira Knightley, Viggo Mortensen e Vincent Cassel

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Heróis do povo

[John Dillinger por Johnny Depp no filme «Public Enemies»]




É tido como factual que um dos maiores ‘gangsters’ de sempre da América, John Dillinger, defendia que ‘importante não é saber de onde vimos mas sim para onde vamos’. Dillinger morreria numa cilada que lhe foi montada numa ida ao cinema. E já que morreu com um tiro nas costas, o ladrão que o povo amava nunca terá chegado a saber onde terminou a sua caminhada final. É por estas e por outras que se deveria reescrever a história. Um homem assim merecia enfrentar a morte de frente.



quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Castelos de cartas






Dizer que o cinema é o retrato fiel da vida, no caso desta crise económica mundial não passa de um lugar-comum mais gasto que o saldo dos cartões de crédito da generalidade dos portugueses. E quando o especulador Gordon Gekko, no filme «Wall Street», apresentava cada novo negócio como mais vantajoso que o anterior, se deslocava de limusina para as salas de reuniões de escritórios onde reinava a opulência, se usava de truques baixos e, de ego inchado, se ria das suas conquistas e se declarava a si mesmo um vencedor, ninguém deu importância à suspeita de que a maioria se regia pela mesma bitola no topo do mundo. E nós, meros peões neste jogo de artimanhas e enganos, cá em baixo. Provincianos, somos uns provincianos.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O recordista





Há quem tenha por hábito fechar-se dentro de casa. Pois ao décimo quinto dia deste mês de Novembro é a terceira vez que eu faço o contrário e me fecho fora de casa com as chaves por dentro. Não é certamente um ‘record’ de que me possa orgulhar, mas como bom português estou a ponderar candidatar-me ao Guinness World Records.


domingo, 13 de novembro de 2011

Marisa Monte


[Marisa Monte]






Numa das suas muitas canções de amor, a brasileira Marisa Monte murmura a certa altura que ‘seria bom, quatro paredes, eu, você e Deus.’ E eu a isto só tenho a dizer duas coisas. Primeira, perguntar por que carga de água clama a Marisa Monte por Deus numa situação como a que sugere, e, segunda, lembrar a mim mesmo que a Marisa Monte me foi um dia apresentada [a sua música, para que conste] por uma das mulheres mais fantásticas que tive a felicidade de conhecer. Para mim é mais que isso, para vocês este texto  fica apenas como um mero registo biográfico.


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Reflexos

[a actriz Scarlett Johansson]




Pediram cafés e sentaram-se os três. Eles dois e ela, todos entre os trinta e os trinta e cinco anos. Aos impropérios que os dois homens trocavam, ela foi respondendo em silêncio. Quando pegou na chávena e a encostou nos lábios vermelhos, foi delicada sem parecer afectada. Parece-se com a Scarlett Johansson mas costuma atestar o Peugeout 307 azul marinho na Área de Serviço da A5 em Oeiras.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Pesadelo



Conheço outro tipo que tem um pesadelo recorrente, o de que se encontra no corredor da morte à espera de ser executada a pena a que foi condenado. De repente toca uma sineta e ele julga chegada a hora. Mas não, é apenas a campainha do despertador que o salva de ser morto. Há dias encontrei-o numa azáfama tremenda na baixa. Andava esbaforido de loja em loja porque o seu despertador avariara e precisava desesperadamente de adquirir outro.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Má sina


Conheço um tipo que tinha um sonho. E quando esse sonho se concretizou passou o tempo a destruí-lo. O pior mesmo é que foi preciso chegar a um elevado estado de desorientação para atingir a lucidez.

domingo, 6 de novembro de 2011

Um meio sorriso

[O resplandecente meio sorriso da modelo fotográfico Iga A. ]





Há perguntas que desarmam as pessoas com uma acidez tal que as evitamos fazer em sociedade a não ser por mera brincadeira. Por exemplo, experimentem ir tomar café com alguém e no meio do nada perguntar a essa pessoa se é feliz. Arriscaria dizer que a outra pessoa não iria achar muita piada à questão ou tentaria fintá-la da melhor maneira. E por que é que isto acontece? Porque a nossa sociedade nos impõe a felicidade não somente como prova de sucesso mas como se essa fosse a palavra passe para fazermos parte dela. Assim, quase que somos obrigados a demonstrar felicidade mesmo que a não sintamos neste ou naquele momento particulares.
 Falando por mim, admito que me sinto especialmente seduzido por um meio sorriso de mulher, por um olhar enigmático, por uma expressão melancólica. E continuo a achar que alguma timidez ou mesmo complexidade de personalidade são na maior parte das vezes sintomas de um estado de espírito, de uma forma de estar bem interessantes e que não resultam nada do facto dessas pessoas andarem de algum modo com a cabeça toda fodida, se é que o meu calão é suficientemente esclarecedor.
Com tudo isto, quero deixar claro que não tenho nada contra quem se sente em baixo e vai ao psiquiatra para que este lhe receite a medicação que lhe vai permitir comprar um pouco de felicidade para se sentir melhor. Pelo contrário, quero apenas dizer às pessoas de meios sorrisos e de olhar meio perdido que algures por aí está o outro meio sorriso que as completa, que tarde ou cedo o seu olhar vai encontrar-se na cumplicidade de outro olhar. E sim, puta que pariu [pardon my french], é essa a felicidade que realmente importa.