domingo, 27 de novembro de 2011

Nos Idos de Março






A oeste nada de novo

«Nos Idos de Março» podia ser um filme sobre políticos corruptos. Ou sobre como se joga sujo nos bastidores da política a alto nível e de como é tão fácil para gente que se propõe representar o povo cair em tentação ou mesmo trair sem pestanejar. Mas não, o novo filme do multifacetado George Clooney, aqui no papel de realizador, é, como o próprio afirma, um testamento sobre a moralidade em sentido mais generalista. E é fácil concordar com Clooney neste aspecto particular, porque o que acontece na campanha das primárias do Partido Democrata para encontrar um candidato do partido às eleições para Presidente dos Estados Unidos da América, não é diferente daquilo que acontece no nosso dia-a-dia, nas empresas, nas escolas, ou seja, na vida das pessoas. A diferença é que de um político com evidentes responsabilidades, e também daqueles que o rodeiam, se espera que os seus comportamentos sejam pautados por uma moral que deveria ser inquestionável. Mas isso, não sejamos ingénuos, é coisa em que muito poucos já acreditam. E sendo assim, o que de facto fica em risco? Algo que foi tão difícil de conquistar e temo se esteja a esgotar: a própria democracia, o que é trágico.
Ryan Gosling, um dos actores do momento, interpreta o papel de um idealista director de comunicação da campanha do Governador da Pensylvania [Clooney]. Mas isso, o idealismo do rapaz, é só até que perceba que vale tudo menos tirar olhos no mundo em que se move. E perante isto faz a opção que ninguém desejaria mas que sabemos ser a mais fácil, isto é, vai lutar sem clemência com as mesmas armas dos seus adversários. Ou supostos companheiros. A partir daqui o filme foge à solenidade com que vinha a reger-se, a intriga adensa-se e aquilo que julgávamos até então ser um filme sobre a alta política descamba para o ‘thriller’ comum. O problema deste «The Ides of March», título que alude ao assassinato de Júlio César a 15 de Março de 44 A.C., é que o cinismo é tão bem assumido e a traição tão impiedosamente arquitectada que, tal como na rábula do pobre que desconfia de esmola em demasia, o espectador começa a ficar descrente. E a perceber que afinal está numa sala de cinema, despertando assim do torpor relativo à realidade que é suposto o cinema transmitir. E neste ponto reafirmo uma suspeita minha de quase sempre: a de que mais uma vez funcionam contra os filmes as adaptações de peças de teatro. Digo isto porque há no teatro uma pompa interpretativa ligada ao texto e um certo tipo de rigor de cenários dos quais o cinema dificilmente consegue libertar-se.
O que não é de modo algum negociável, é a riqueza do elenco onde pontificam para além de Gosling e de Clooney nomes como Paul Giamatti, Philip Seymour Hoffman e Marisa Tomei. Apesar disso, e das excelentes interpretações com que nos brindam, mesmo que personalizado por gente tão grande já não é novidade para ninguém a amoralidade com que se fabricam governos. E ao mesmo tempo, a indiferença com que os cidadãos olham para os políticos resignando-se ao que julgam ser uma inevitabilidade. De facto, seja num comício em Cincinnati, Ohio, ou em Vale de Estacas, Santarém, o princípio é o mesmo: criar uma imagem de honra e sentido de dever que todos sabem que mesmo que depois de eleitos o tentassem jamais o conseguiriam pôr em prática. E o porquê disto é simples mas dramático, repito. Porque a democracia soçobrou perante a ditadura do poder económico e financeiro. E é apenas isso que «Nos Idos de Março» nos repete até à exaustão acrescentando muito pouco ao que já sabemos. Mas sendo cinema, acredito que acrescenta alguma espectacularidade, uma maior fotogenia e elegância em contraponto à boçalidade que diariamente nos entra casa dentro através dos políticos que temos.

«In The Ides of March», de George Clooney, com Ryan Gosling, George Clooney, Paul Giamatti, Philip Seymour Hoffman, Evan Rachel Wood e Marisa Tomei


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