segunda-feira, 25 de abril de 2011

A Última Noite




De olhos bem fechados

É certo e sabido, um amor aparentemente sólido e que levou anos a construir pode facilmente ser fragilizado pela desconfiança ou mesmo destruído por uma noite em que um membro do casal ceda à tentação. O tema tem sido explorado até à medula pelo cinema e «De Olhos Bem Fechados» [1999], de Stanley Kubrick, é um exemplo maior da importância que as relações amorosas adquiriram desde sempre para o mundo dos filmes. «A Última Noite», filme que estreia Massy Tadjedin na realização, é igualmente a prova da existência de temáticas que jamais se esgotarão por via de visões diferentes que podem acrescentar algo de novo ao cinema. Mas apesar de ser um filme agradável de seguir, «Last Night» nunca consegue deixar o estatuto de pequeno filme agarrado a alguns também pequenos clichés para conseguir sobreviver.
Michael [Sam Worthington] e Joanna Reed [Keira Knightley] são casados há poucos anos. Ele é uma espécie de promotor imobiliário e ela cronista e aspirante a escritora. Numa festa, Joanna conhece Laura [Eva Mendes], uma colega de trabalho de Michael, e rapidamente se apercebe da química existente entre ambos. Confrontado o marido à chegada a casa com as suas suspeitas, este nega o óbvio. Para maior azar, no dia seguinte Laura e Michael têm que viajar em trabalho para fora da cidade o que agudiza ainda mais o clima de dúvidas da bonita Joanna. Mas como nisto das tentações marido e mulher estão em pé de igualdade, no dia seguinte Alex [Guillaume Canet], um antigo amante de Joanna, está na cidade e convida-a para jantar. A partir daqui o filme joga com circunstâncias distintas para que aconteça a tentação e, talvez numa visão um pouco feminista da coisa, nas diferentes atitudes de Joanna e Michael perante a infidelidade iminente. Pelo meio, a realização vai jogando inteligentemente com datas para que o espectador perceba o histórico do casal Reed e apresenta ainda uma espécie de consciência dura mas honesta personalizada por Truman [Griffin Dunne], um amigo de Alex.
No deve e haver final temos um drama intimista muito bem escrito e realizado com rigor científico tal, que, ao invés, não permite riscos desnecessários. É no entanto de saudar o elogio da palavra e a inteligência dos diálogos e de realçar que num filme onde o desejo dos corpos está quase sempre presente jamais se veja o nu dos amantes. Por outro lado, existe sempre a convicção de que uma espécie de sentimento interior muito profundo comanda cada gesto, cada carícia, cada beijo no que me parece ser também uma característica muito feminina da realização da americana nascida em Teerão, que também escreveu o argumento e produziu o filme. Jogam contra si a completa falta de perfil de Sam Worthington [«Exterminador Implacável – A Salvação» e «Avatar»] para este género de filmes, um lado escusadamente elitista do mundo em que as personagens se movimentam e, já que se fala em coisas menores, não era assim tão importante que o amante de Joanna tivesse que ser francês, como é recorrente vir escrito nos livros. Ainda assim, através de uma fascinante atmosfera urbana e nocturna o filme pensa as relações amorosas e deixa o espectador a reflectir. E no único risco assumido acaba por nos dizer através do olhar de Michael para os sapatos de noite de Joanna esquecidos e espalhados pela sala, que as tentações ou mesmo as pequenas infidelidades devem ser tratadas como tal. Ou seja, ignoradas. Porque perante um amor que pode valer uma vida que importância tem uma relação que apenas sobreviveu a uma noite? Ainda que essa tenha sido a última noite.

A Última Noite, de Massy Tadjedin, com Keira Knightley, Sam Worthington, Eva Mendes e Guillaume Canet

8 comentários:

redonda disse...

Não estava a pensar em ver este por me parecer pouco interessante e previsível...e ainda estou indecisa :) (depois, se chegar a ir vê-lo, volto para comentar)

JL disse...

Apesar do que escrevi, e assumo, este é daqueles filmes muito aconselháveis cuja reacção vai depender muito mais que o habitual do olhar de quem o vê, Redonda. Bom filme. :)

l00ker disse...

Chamaste a atenção para um pormenor que me tinha passado "despercebido", o filme foi realizado por uma mulher. Já tinha dado a minha opinião e apesar de como dizes haver alguns clichés e ter alguns aspectos menos conseguidos, para mim, continua a ser o que de melhorzinho já vi este ano. Um filme que nos deixa a pensar mal saímos da sala, tem logo à partida a minha aprovação :)

Abraço

JL disse...

É um filme que vale a pena ver, sem dúvida. E como eu dizia atrás à Dona Redonda, Nuno, é um daqueles filmes que pode tocar profundamente algumas pessoas. E nem interessa ir muito a fundo nas razões para tal, bastará dizer que é um filme sério e honesto sobre a vida apesar de nunca se conseguir soltar do estatuto de pequeno filme e de se apoiar em algumas situações já muito vistas. Mas é como dizes, se algo ou alguém nos faz ficar a pensar sobre isto ou sobre aquilo é um facto que esse algo ou alguém não nos foi indiferente. Que o digam as quatro pessoas que vivem no filme os dilemas amorosos que tantas vezes vemos acontecer na vida real. Porque nenhum deles era indiferente ao outro e, apesar de se tratar de uma só noite, ficou óbvio que tiveram que fazer opções difíceis. Abraço. :)

ADEK disse...

Quando vi o trailer fiquei com vontade de ver. Infelizmente, nos tempos que correm quase todos os filmes têm ficado pela "vontade" :/ Mas este será, certamente, dos próximos:)

JL disse...

Quando o vires, e se vires, fico com alguma curiosidade à espera da tua opinião, Ana ADEK Maria. :)

Caetana disse...

Meu caro JL,

Permite-me discordar, mas o detalhe do amante que fala francês faz toda a diferença...:P

JL disse...

Cara Caetana,

Não ouso discordar. Apenas achei lamentável que o amante que fala francês não soubesse tocar piano.

Um beijo. :)