segunda-feira, 7 de março de 2011

Crazy Heart




Um homem singular

Tenho ouvido e lido muito boa gente desabafar que escreve bem melhor quando está triste. A confissão não me é estranha e a resposta é-nos dada por «Crazy Heart» [2009], o filme que permitiu a Jeff Bridges arrebatar o Óscar de melhor actor em 2010. De facto, tal como nos sussurram os sons da música country, pedra basilar da cultura popular norte-americana, não tenho dúvidas de que quanto mais amarga é a vida, mais doce é a canção.
Quer na sala grande do cinema ou no leitor de DVD cá de casa, vejo vários filmes por semana. Mas quis o destino que só agora, confrontado com a foto do rosto sofrido de Bridges [depositada num escaparate da secção de DVD’s de uma conhecida loja de livros e filmes] de queixo um pouco acima da viola que toca enquanto supostamente entoa  uma canção, resolvi que era chegado o momento de perceber por que razão Colin Firth lhe vira ser retirado o Óscar pela sua interpretação exímia em «Um Homem Singular». Firth,  também ele devastado por um grande amor perdido algures nas mais inesperadas casualidades da vida. E em boa hora o fiz, porque «Crazy Heart» é cinema sem artifícios, é a ficção a sobrepor-se à realidade, é autenticidade, é sensibilidade e intimismo.
«Crazy Heart» é ainda a história de um homem, de um músico, perdido na incapacidade de olhar para trás. E de ao olhar o homem glorioso que foi, seguir em frente sabendo que há sempre algo de valoroso para desfrutar e dar aos outros pese ter-se perdido algo num percurso de vida por vezes sinuoso. Mas, entre a areia dos quilómetros e quilómetros de deserto que atravessa diariamente para actuar em bares manhosos e submerso pelo torpor do álcool com que vai enganando a sua dor, a vida dá nova oportunidade a Bad Blake [Jeff Bridges]. Essa oportunidade surge através do amor correspondido por Jean [Maggie Gyllenhall], uma mãe solteira muito mais jovem que ele. Como seria de esperar, porque quando a ficção é boa resulta no espelho fiel da realidade, Bad Blake deixa escapar aquele que se percebe ser o grande amor da sua vida e quando faz aquilo que deveria ter feito desde logo é já demasiado tarde para ambos.
Pobres os espíritos de quem decidiu enviar directamente para DVD este filme tocante sobre a fragilidade do indivíduo. Uma debilidade que surge da insatisfação de que é feita a sua própria massa, da incapacidade para em determinado momento perceber qual é o caminho a seguir. E Jeff Bridges foi exemplar na corporização de um homem com estas características especiais, de alguém que caminha sempre em desequilíbrio tanto podendo a qualquer momento subir aos céus, às estrelas, como estatelar-se no solo, descer ao inferno. Dir-se-ia que «Crazy Heart» nasce de uma história já vista, pouco original. Eu diria que nasce de nós, do ser humano imperfeito que somos. E diria também que, em «Crazy Heart», Jeff Bridges é… um homem singular.

Crazy Heart», de Scott Cooper, com Jeff Bridges, Maggie Gyllenhaal, Robert Duvall e Colin Farrell

4 comentários:

l00ker disse...

Foi na minha opinião, um dos grandes filmes de 2010. Fiquei absolutamente rendido a este filme, mais ainda em relação a Jeff Bridges. A música country sempre gostei. Resumindo, "filmezorro", como eu gosto de dizer :)

JL disse...

E na minha busca pacifiquei-me, Nuno: o Oscar para Bridges em 2010 foi merecido. Apesar de Colin Firth. Assim como o de Firth em 2011 o foi apesar de Bridges. O cinema está de parabéns com tão pungentes interpretações.

Bota 'filmezorro' nisso. :)

redonda disse...

Ainda não o vi, mas vou procurar o DVD :)

JL disse...

Não deixes de ver, Gábi. É um excelente filme.