domingo, 13 de fevereiro de 2011

The Fighter - Último Round





A vida não é um sonho

Mickey Ward [Mark Wahlberg] teve no seu irmão o ídolo da adolescência e vive uma existência de superação pessoal como lutador de boxe. Por sua vez o irmão, Dicky Ecklund [Christian Bale], é uma estrela há muito apagada que vive uma lenda bem mais obscura que cintilante de um dia ter sido o orgulho de Lowell, Massachusetts. E enquanto um, o primeiro, vive condicionado pela fidelidade à família - incluindo a mãe ainda a seguir a luz apagada de Dicky - e a quantos o rodeiam por este ou por aquele motivo, o outro subsiste numa inacreditável dependência emocional e material pelo boxe tornando-se treinador de Mickey como se por decreto. Mas Mickey quer viver o sonho americano e Dicky representa o falhanço simbólico de uma sociedade, a americana, onde muitos dos seus derrotados se tornam marginais e dependentes de drogas. Neste entretanto, surge Charlene [Amy Adams], a namorada de Mickey, uma jovem mulher tão paradoxalmente doce como dura e determinada.
«The Fighter – Último Round» aborda um dos desportos mais visceralmente queridos dos americanos, o boxe. E poderia muito bem ter-se reduzido à categoria de mais uma metáfora de queda e redenção assente numa história que foi beber inspiração à vida real. No entanto, a realização de David O. Russell [ele que realizou «Três Reis» no já longínquo ano de 1999] agarra-se com unhas e dentes ao mito de dois irmãos, dois homens, dois lutadores de boxe, na tentativa de construir um filme sólido e muito realista que retrata o sonho americano a partir de um bairro problemático e de uma das suas famílias. Uma família que é um exemplo perfeito do que são as classes mais desfavorecidas da América. E neste seu retrato, o que sobressai é a capacidade de conseguir fugir ao ordenamento emocional de pessoas que de facto são incapazes de agirem de modo organizado já que vivem quase por instinto. E esse é um trunfo do seu cinema fugindo não só ao tradicional filme de boxe como ao exibicionismo pretensioso de quem aborda a complexidade da natureza humana.
Baseado numa história verídica, é exemplar a reconstrução dos combates de boxe entre um Mickey esforçado e circunspecto e os seus adversários tidos à partida como favoritos o que prova a existência de uma excelente direcção artística. E se Mark Wahlberg está em plano de evidência, que dizer de um Christian Bale que se esquece de si mesmo para mais uma vez se abandonar por inteiro à personagem que encarna? Bale, em «The Fighter – Último Round», é um homem moralmente perdido, fisicamente raquítico e dramaticamente agarrado ao crack e a uma imagem que tem de si e do boxe. E para quem esperar até aos créditos finais do filme e observe o homem real que encarnou, poderá verificar nas inacreditáveis semelhanças entre um e outro. Fantástica interpretação, sem dúvida, daquele que já foi maquinista, psicopata americano e Batman, entre outros. Quanto a Amy Adams, dizer apenas que a beleza quando existe se percebe até por detrás do balcão de um bar manhoso a servir bebidas a gente rude enquanto é apreciada por olhares lânguidos e esfomeados. Grandes interpretações, grande filme e o boxe como metáfora para a vida.

«The Fighter», de David O. Russell, com Mark Wahlberg, Christian Bale, Melissa Leo e Amy Adams

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