domingo, 13 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei




O rei e o plebeu

A Europa encontra-se numa encruzilhada bélica para onde é levada por um homenzinho vil, de bigodinho pateta mas de discurso arrebatador de nome Hitler. Entretanto, em Inglaterra Jorge V morrera e deixara um vazio no trono já que o seu sucessor natural, que viria a ser Eduardo VIII [Guy Pearce], apresentava uma frivolidade pouco de acordo com o estatuto e acabaria mesmo por abdicar em prol de um amor tido como inconveniente por uma cidadã americana já anteriormente casada por duas vezes. Sucede-lhe como rei o seu irmão mais novo, Bertie [Colin Firth] para a família e Jorge VI para a história, um homem de grande carácter mas afectado por uma arreliadora gaguez que o diminuía como líder. Bertie acaba por se socorrer de um atípico terapeuta da fala, Lionel [Geoffrey Rush], ele, plebeu e australiano que nem sequer possuía formação em medicina. No entanto, levado para a guerra por Hitler, em 1939 o Império Britânico ouvirá do seu rei gago um discurso histórico e mobilizador. E é sobre esse discurso e sobre a amizade que nasce entre o rei e o terapeuta plebeu que Tom Hooper edifica «O Discurso do Rei». Aparentemente, um filme talhado para ganhar prémios.
«The King’s Speech», no seu título original, é formalmente inatacável e em tempo algum dispensou a conhecida fleuma britânica e um glamour muito british. Apesar de ter sempre em pano de fundo o grave momento histórico que o mundo vivia na altura, isso nunca pareceu interessar por aí além à realização de Tom Hooper. E ainda bem, digo eu, já que o filme retrata a angústia de um homem que tendo vindo a tornar-se rei se sentia bem menos válido que o mais humilde dos seus súbditos. E nesse âmbito, sem histrionismos exagerados [e dispensáveis], com uma interpretação sólida e equilibrada, Colin Firth é peça fundamental para que se perceba aquilo que todos já sabemos: que os reis não passam de seres humanos como quaisquer outros. Mas a forma como o filme demonstra esta evidência, acaba por se revelar de uma elegância extrema. Até no desfilar de carências afectivas que a sua personagem principal possui e nas situações humilhantes por que passa.
Mas neste formalismo todo, a surpresa está na fina ironia com que se dão os encontros e desencontros entre o terapeuta e Jorge VI, dotando o filme de uma comicidade muito invulgar para um drama mas também de uma emotividade que pode fazer chegar às lágrimas o espectador mais sensível. E caso se esteja atento ao que de mais subliminar tem o texto do filme, não deixam igualmente de se tornar bem interessantes as diversas relações existentes. Entre a realeza e o povo, a relação sempre ambígua com a igreja com esta a colocar-se em bicos de pés ou na prova irrefutável de que o poder, as grandes decisões, já então pertenciam aos governos e não à monarquia. Mas, como disse anteriormente, o filme passa por aí mas não é nesses aspectos que se detém.
Em minha opinião longe da obra-prima que tantos prémios poderiam sugerir, «O Discurso do Rei» acaba ainda assim por se tornar num filme muito competente, por vezes comovente, que para além de um grande Colin Firth possui ainda um outro actor, Geoffrey Rush, cuja enorme presença como terapeuta do rei merece tanto destaque quanto aquele que é dado a Colin Firth. De realçar também a mordacidade altiva de Helena Bonham Carter como Rainha Isabel. E mesmo que não tenha sido pelo discurso do rei que os aliados ganharam a guerra, certamente que depois deste filme Jorge VI ficará ainda mais no coração dos britânicos. Pelas suas virtudes, claro, mormente pela sua coragem, mas, curiosamente, sendo um homem igual a tantos outros, muito mais pela sua debilidade: pela sua gaguez.

«The King’s Speech», de Tom Hooper, com Colin Firth, Geoffrey Rush e Helena Bonham Carter


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