terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Oito anos







[A modelo fotográfico Iga A., presença assídua cá na casa; gosto muito de a ver trabalhar]





Ontem, manhã bem cedo, janela aberta a dar para um pequeno jardim onde imperam os vultos das árvores, senti nos meus ouvidos um inesperado sussurro da memória. Ao folhear um livro escrito pelo punho de John Steinbeck, quiçá em busca de inspiração para não necessitar decretar algum tempo de exílio do exercício da escrita, deparei com uma factura da FNAC do Colombo com a data de 30 de Julho de 2002. Oito anos atrás, portanto. O momento, provavelmente irrelevante em si no decurso da minha existência por cá, fez-me recordar-te, recordar-vos, lembrar quem passou pela minha vida, quem eu nunca mais vi, quem então fazia parte dela, quem foi fazendo, quem já não faz. Foi como se de repente sentisse a alma a acordar e a necessidade de reviver intimamente oito anos em que tanto aconteceu e perceber que valeu a pena, que vale a pena. E que a saudade não é somente um sentimento triste de perda ou sentimento de falta mas é também um sentir convicto de que nada acontece por acaso. E a verdade é que todas as pessoas que passaram pela minha vida, mesmo que nunca mais as tenha visto ou delas não tenha tido mais notícias, se mantém por cá, que possuem um lugar que é seu ainda que agora bem arrumadas em pequenos cantos da emoção e da razão. Da memória. Sim, a minha vida nunca parou, continuou, mas não vos esqueci, como nunca esquecerei, porque sem ti, sem ela, sem vocês, a minha existência empobreceria. E vulgarizava-se.

A factura, essa, tem o valor de 85.32 euros. Nove euros e noventa e cinco pela banda sonora de «In The Mood for Love», o espantoso filme de Wong Kar Wai muito antes de ter rumado à América para fazer «My Blueberry Nights – O Sabor do Amor», dezasseis euros e quarenta e nove por uma colectânea dos Doors à procura de «Light My Fire» e do talento desregrado e suicida de Jim Morrison, dezasseis euros e quarenta e quatro por «Blue Velvet» e pelo peculiar mundo de sedução de David Lynch, doze euros e noventa e cinco ainda por David Lynch em «O Homem Elefante» e, finalmente, o restante para o filme de um pequeno ‘robot’, qual Pinóquio pelo amor de pai, em busca do amor de mãe e de se tornar um menino de verdade em «A. I. Inteligência Artificial», de Steven Spielberg.


3 comentários:

redonda disse...

Gostei muito deste texto
(porque me preocupo com o que podemos perder à medida que o tempo passa e há muito que quero guardar comigo).

Carlota Pires Dacosta disse...

Conheço isto de algum lado. Como comentei na altura, volto a comentar. "In The Mood for Love" um filme que gosto bastante.
Beijo

JL disse...

Obrigado,Carlota. É bom ver que pessoas como tu, a Redonda, a Rubi, o Nuno e outros vão resistindo à minha constante mudança de domínios desde o Cartório Mental. Embora a perda do Terra Longínqua ainda seja um mistério que não vou perder tempo a tentar perceber. Já não falta muito para recuperar o que importa recuperar do blogue anterior. Obrigado pelo teu comentário,beijinho.