terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Lisboa




[Gaivota] 






Lisboa. Uma voz linda de mulher ouve-se ao longe enquanto canta rogando que uma gaivota lhe traga o céu de Lisboa. E Lisboa está ali, está aqui, está lá, permanece um coração perfeito no desenho que fazemos da cidade grande e cosmopolita que é. Nas suas ruas antigas, menos antigas, modernas, mais modernas, os olhares entrecruzam-se saltando de laje em laje, saltitando algures nas lajes feridas pelo passar do tempo. E também eu vou perscrutando aqui e além pelo interior da penumbra, pela noite que se aproxima.

Mas Lisboa não esmorece nem cai no mar como canta a voz feminina. Permanece, isso sim, soberba nas suas avenidas, nas praças de sempre pisadas pelos pés velozes dos vendedores de bugigangas que interpelam os turistas. Que lhes sorriem, que lhes falam enquanto aqueles lhes põem uma mão sobre o ombro, lhes suplicam, imploram. Nas igrejas as vendedoras. À porta, numa dessas igrejas antigas, tão antigas como as ruas, as praças, a vendedora sem pernas oferece aos crentes ou somente curiosos os seus ramos de flores viçosas. Violetas, são violetas, quase grita.

Paguei o café e ausentei-me da esplanada, deixei a mesa vazia, a chávena branca vazia, o guardanapo gasto, as cadeiras desalinhadas, o rasto dos meus lábios na chávena branca, o casal ao lado de mãos dadas, as mãos dadas num aperto caloroso, o homem de ar aristocrático que folheava o jornal fingindo ler as notícias, os seus olhos perdidos na beleza e na juventude das mulheres em reboliço, rua acima, rua abaixo. Lá fica também o empregado de laço negro ao pescoço. E Pessoa, Pessoa o poeta da cidade, Pessoa impávido e sereno na sua representação em ferro, em bronze, não sei bem.

Desci a Rua Garrett em direcção à Rua do Carmo e a mulher mantém-se a cantar. E não, também eu não sei, nunca soube aliás, porque tem Lisboa este tom magoado, porque nela cantam o fado sob o céu como numa asa que não voa. Voz de homem, sumida, lamentosa, responde-lhe ainda a cantar. Diz-lhe que é Lisboa, que Lisboa vive num rosário de penas onde reina a saudade. E chegado já ao Rossio, fico sem saber o que fazer num caso como o que está a acontecer, como o meu, como o teu, como o dela. Ela Lisboa.  E como o homem que canta a chorar baixinho, talvez não me reste mais que pedir aos céus, a mim, a ti e a Deus. Mas não, não foi Deus. Fomos nós homens, foram vocês mulheres, és tu mulher linda, tu que és a saudade, o brilho no olhar. E embrenhei-me na cidade por entre caras conhecidas, desconhecidas, ruas, praças, avenidas, umas modernas e outras antigas. Por Lisboa.





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