quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O sonho



[Girl in Tree, Brook Slane]






Uma mulher ainda muito jovem caminha paulatinamente com uma pasta dependurada numa das mãos. É linda, reparo, mas reparo também que encerra em si uma expressão triste. O sonho tudo permite e leio-lhe a mente. O tempo recua para tempos felizes, até à universidade, aos sorrisos rasgados, a ideais profundos no horizonte próximo, para todo um mundo que não dispensa o mais diminuto contributo para se converter num lugar melhor para se viver. O tempo avança, acontece a difícil entrada no mundo do trabalho, a mulher jovem sofre o choque da inevitável cedência ao poder instalado, verga-se à impossibilidade de ser ela mesma. Quebrou-se o encanto, as vozes tornam-se intolerantes e ruidosas, o silêncio é amargo e, lá dentro, dentro de si, luta contra um ressentimento apaixonado que lhe arruína os dias, lhe perturba as noites. A alegria confunde-se na tristeza, a fadiga acumula-se.

Sonho, sei que estou a sonhar. Mas continuo a olhar para a mulher jovem, o dia é o de hoje. Fechada numa sala faz o que tanto desejou, trabalha no que gosta, ajuda uma menina a perceber o mundo que a rodeia, procura não deixar que os problemas próprios de uma sociedade imperfeita como a nossa condicionem a formação da sua personalidade. Uma família graciosa composta por três mulheres, um pai que aguarda a liberdade atrás das grades. A menina entoa um pequeno cântico, está de joelhos numa cadeira, os cotovelos pequeninos apoiados sobre o tampo da mesa, uma folha em branco. E desenha. No cimo do desenho escreve a dedicatória.

«É para ti, querida professora.»

E no final um bracinho estendido, pequeno, uma mão aberta, pequena, um gesto grande, enorme, uma bolachinha para a mulher jovem. Uma bolachinha sobre a palma da mão. A mulher morde os lábios para se conter e solta um sorriso trémulo, nervoso. No final do dia de trabalho a ironia subtil, o reconhecimento do talento vindo de onde menos se espera, vindo da doce menina, da sua inteligência pura, do lado mais instintivo do seu pequeno ser. Já na rua cede à imobilidade e ao silêncio numa rua frenética de carros a subirem a rua, de carros a descerem a rua, das gentes ansiosas por chegar às suas casas. Sente-se incapaz de um movimento. Mas sim, valeu a pena acreditar. Sim, vale sempre a pena sonhar.