domingo, 14 de novembro de 2010

Slumdog Millionaire







O Triunfo da Vontade





Será «Slumdog Millionaire», no seu título original, o melhor filme de 2008? Pode até ser, mas ter pelo mais recente trabalho de Danny Boyle um nível de estima tão elevado pode levar-nos à obrigação de tecer variadíssimas considerações sobre o cinema em geral. No entanto, esse não é um dado negativo e é até um dos grandes trunfos da realização de Boyle. Isto, a par da forma inteligente como retrata o drama das gentes que crescem nos bairros da lata de uma metrópole como Bombaím, mas, sobretudo, da história tocante que relata de um jovem de uma pureza e de um carácter ímpares que tem uma única ambição: a de recuperar para si o amor da sua vida. Para isso predispõe-se a participar no concurso local do «Quem quer ser milionário?». Mas como Jamal Malik (Dev Patel) é um simples assistente de Call Center, um slumdog [que poderá traduzir-se como cão (dog, claro) de bairro da lata (slum), pese a tradução do filme insistir em chamar-lhe rafeiro], ao chegar à pergunta que o poderá transformar no grande vencedor do concurso é acusado de aldrabice e levado para a esquadra da polícia para ser cruelmente interrogado. É então que o filme ganha alma e que a narrativa substitui o suspense tradicional por uma fluidez frenética. Nesta ambiência indistinta, é na miséria retratada que os cenários ganham cor e é a música que impulsiona o delírio dos factos chocantes e comovedores inerentes ao percurso de vida de Jamal.



Danny Boyle é o cineasta de «Trainspotting» (1996), mas também de «A Praia» (2000) e de «28 Dias Depois» (2002) filme onde abraça de novo o experimentalismo que é característica fundamental do seu cinema. Em «Quem Quer Ser Bilionário?» o inglês reúne-se de uma equipa de jovens actores amadores recrutados nos bairros da lata de Bombaím. E tem sorte. Não obstante a denúncia que faz dos abusos, do pouco respeito pelos direitos individuais dos cidadãos e até da rivalidade religiosa existente na Índia o filme recusa tornar-se panfletário para abraçar uma causa bem mais do domínio da alma humana que da problemática civilizacional. Jamal está-se nas tintas para o dinheiro que a vitória no concurso lhe pode dar, Jamal quer apenas recuperar a bela Latika (Freida Pinto) por quem sempre se manteve apaixonado. E na pergunta final, Jamal Malik não é – como nunca foi – o concorrente televisivo que está prestes a tornar-se riquíssimo. E nos cafés, nas ruas, nas casas, Jamal representa não um colectivo mas sim a certeza (individual), para cada um dos que o vêem, de que o sonho é possível. Pouco importa se o sonho do dinheiro e da mudança de vida para bem melhor que este pode proporcionar não esteja sequer nos objectivos de Jamal Malik. E, neste aspecto, o jovem indiano funciona até como o anti-herói. Não porque recuse a glória mas porque nem dela tem sequer conhecimento.



Arrisco afirmar que o sucesso de «Slumdog Millionaire» tem tanto de inesperado como de fruto do acaso, do momento. Isto apesar da excelente direcção de actores, da realização apaixonada de Boyle e outras relevantes características cinematográficas. Na verdade, este é o filme certo no momento certo quando a civilização atravessa uma crise que a faz questionar-se sobre o certo e o errado. Afinal, impérios construídos sobre estratégias bem delineadas e que foram conduzidas por homens e mulheres bem preparados caem diariamente. E Jamal Malik, que nasceu e cresceu nos bairros de lata de Mumbai até estes se transformarem na desordenada Bombaím, conseguiu a felicidade apenas à custa de acreditar no amor e de recusar a mentira. Tudo isto sobrevivendo rodeado das mais incríveis barbaridades. E na sua vitória Jamal Malik não é um jovem de sucesso, ele é somente um jovem feliz. Repito a ideia inicial: «Quem Quer Ser Bilionário?» talvez não seja o melhor filme de 2008, sequer um filme grandioso. Mas é feito de muita paixão, de vida, de esperança, de emoção. Afinal um conjunto de sentimentos brilhantemente adaptado para cinema.





«Quem Quer Ser Bilionário?», de Danny Boyle, com Dev Patel e Freida Pinto



Sem comentários: