segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ondine



A senhora das águas

No cartaz de promoção a «Ondine», pode ler-se que ‘the truth is not what you know. Is what you believe.» A frase, intencionalmente poética no pensamento que encarna e sugere, é no entanto perigosa já que se alheia voluntariamente da verdade para se situar unicamente no campo das emoções. E isso seria desejável, e muito bom, se o mundo fosse um lugar onde a harmonia entre a fantasia e a realidade se solidificasse muito simplesmente num qualquer ideal de felicidade. Mas como não é assim e o mal existe, o pescador Syracuse (Colin Farrell) irá perceber que só poderá agarrar a vida caso ouse soltar-se definitivamente do enlevo embriagante daquilo em que quer acreditar mas que está longe de compreender.
Neil Jordan, realizador e argumentista de «Ondine», parece ter carregado no olhar a poesia inspiradora de uma terra rodeada pelo mar. Um mar de águas nem sempre calmas, muitas vezes revoltas,  mas um mar que se assume como uma componente incontornável do ser irlandês onde a música dos islandeses Sigur Rós se ajusta que nem uma luva ao estado anímico do filme. Um filme que desperta simpatia pela sua história até porque se revela invariavelmente contemplativo e nostálgico. Apesar de ter já realizado obras como «Michael Collins» (1996) ou «O Fim da Aventura» (1999), é em «Entrevista com o Vampiro» (1994) e «Breakfast on Pluto» (2005) que vamos encontrar as características a que aludo no modo de fazer de Jordan: o desenrolar de uma história aparentemente ilusória, mágica, sedutora,  mas que se vai tornando muito real através de um enredo simples que se constrói a partir do drama de cada uma das suas personagens. Neste caso, do drama do humilde pescador Syracuse, de Ondine (Alicja Bachleda), a mulher que literalmente ele pesca dos mares, e de Annie  (Alison Barry) a pequena filha do pescador a quem este dedica todo o seu tempo livre.
«Ondine» vê-se com o coração e sente-se através daquilo que os nossos olhos vão observando na tela. Desde a meteorologia rigorosa de um país de personalidade própria à vida dura de uma pequena cidade de pescadores,  à excelência das paisagens do noroeste da Irlanda até  à beleza de Ondine, a mulher que veio do fundo dos mares, e do amor que vai crescendo entre esta e Syracuse. E de modo necessariamente diferente, à forma como Ondine se vai agigantando na pequena Annie, ela que é uma menina com limitações relativamente às demais já que sofre de insuficiência renal. Por esta altura da fita, Ondine é para Annie somente uma personagem de conto de fadas.
Sim, «Ondine» é um conto de fadas moderno. Mas é também uma história de vidas que colhe frutos pela sua verosimilhança com a realidade. E para o seu êxito muito contribuíram as interpretações de Colin Farrell, solto de qualquer maneirismo ou vedetismo, e a forma como Jordan foi deixando que a verdade sobre a personagem de Ondine se fosse ocultando nos meandros da mitologia. E quando se trata de questões mitológicas, poucos as ousam negar embora todos desconfiemos delas. Um filme agradável, a ver sem expectativas de maior.

«Ondine», de Neil Jordan, com Colin Farrell, Alicja Bachleda e Alison Barry


2 comentários:

redonda disse...

Engraçado termos coincidido no filme que fomos ver.
Gostei do filme e dos desejos da mulher foca e do homem da terra, se terem realizado.
beijinho

Gábi

JL disse...

Não estranhei a atitude do homem da terra já que a mulher Foca é muito desejável! :)

Beijinho, Gábi. :)