Do outro lado do espelho
Escrita por Lewis Carrol, «As Aventuras de Alice no País das Maravilhas» possui mais de duas dezenas de adaptações ao cinema. Chegou agora a vez de Tim Burton. Este, pegou em «As Aventuras de Alice no País das Maravilhas», adicionou-lhe «Alice do Outro Lado do Espelho» e fez um filme não se limitando a sonorizar as histórias e dotá-las de imagens em movimento. Isto porque «Alice in Wonderland», de Tim Burton, é a visão muito particular do peculiar e genial realizador sobre as obras de Lewis Carrol já de si repletas de simbolismos, paradoxos e mensagens subliminares. E se a história de Alice pertence ao imaginário infantil é inegável que o realizador norte-americano se dirige muito mais a graúdos que a miúdos sem no entanto deixar ninguém de fora do seu trabalho de composição. Um trabalho que é todo ele um saudável elogio à loucura. O que acaba até por ser recorrente na obra do cineasta de «Eduardo Mãos de Tesoura» (1990), «Marte Ataca» (1996), «O Cavaleiro sem Cabeça» (1999) e «O Grande Peixe» (2003) para só citar algumas das suas obras.
Alice (Mia Wasikowska) tem agora 19 anos de idade e regressa à terra onde esteve enquanto criança. Lá, ela vai reencontrar os seus velhos amigos: o Coelho Branco (Michael Sheen), Tweedledee e Tweedledum (Matt Lucas), a Lagarta Absolem (Alan Rickman), o Gato Cheshire (Stephen Fry) e o excêntrico e devoto Chapeleiro Louco (Johnny Depp). No entanto, a felicidade é então algo inexistente por aquelas bandas já que a Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) se apoderou do trono pela violência e à Rainha Branca (Anne Hathaway) e todos os seus anteriores amigos resta esperar que Alice possa devolver as maravilhas àquele país recheado de personagens fantásticas.
Durante quase duas horas, através das imagens em 3D, o espectador vive por dentro uma história fantástica sobre a busca que alguém efectua na tentativa de empreender o rumo certo para a sua vida. Um dos grandes desafios da realização de Burton prende-se precisamente com esse aspecto particular: o de saber até que ponto cada um de nós percebe ou não o que realmente importa nas nossas vidas através do paralelismo com o filme. Será que interessa perceber o que têm em comum um corvo e uma secretária ou será muito mais definitivo para a nossa existência determos em nós o talento capaz de não deixar que os laços importantes se quebrem ainda que cada um tenha que seguir rumos diferentes para as suas vidas? A par das sempre importantes questões filosóficas, o filme possui uma admirável qualidade artística e é de uma beleza visual cativante. É ainda de realçar que a animação em 3D está no filme ao serviço da história e não o contrário. E num filme recheado de grandes intérpretes do cinema actual, Helena Bonham Carter é talvez aquela que mais se destaca na ambiguidade de desejar o amor dos outros mas, por insegurança, acabar por optar pela política do medo. Já Johnny Depp, actor ‘fetiche’ de Burton, joga em casa dividido entre a mais completa insanidade e a emoção de dar corpo a um ser aparentemente seguro de si mas a espaços desprotegido e interrogativo sobre o meio que o rodeia.
Resumindo, «Alice no País das Maravilhas», de Tim Burton, apresenta-nos um mundo onde o sonho vira pesadelo e representa uma excelente oportunidade para alguns adultos recuperarem para si a criança que foram um dia. E, quem sabe, perceber se o caminho seguido por cada um está de acordo com os seus sonhos de menino. E não sendo segredo para ninguém, resulta curioso verificar como de um mundo aparentemente recheado de loucura se pode extrair tanto de positivo. E de belo para os olhos e para a alma.

«Alice in Wonderland», de Tim Burton, com Mia Wasikowska, Johnny Depp, Helena Bonham Carter e Anne Hathaway
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