domingo, 31 de outubro de 2010

Corações




«Corações», do francês Alain Resnais, é a mais recente proposta do pujante cinema francês em exibição nas salas portuguesas. Adaptado da peça de teatro «Private Fears in Public Places», «Coeurs», no seu título original, obedece a uma lógica de crítica mordaz à sociedade actual. Sobretudo nos meios urbanos, em que cada um vai dissimulando a sua própria solidão com máscaras de personagens que não têm coragem de assumir em público. Neste particular, o filme de Resnais é profundamente caricatural e em termos formais a transição de cenas vai-se dando sob a capa de uma interminável tempestade de neve o que faz lembrar um pouco as origens do argumento. A gélida tempestade de neve, sempre presente até ao final da película, não é mais que um simbolismo ligado ao frio com que batem os diversos corações das personagens em acção.



A narrativa parte da busca de uma casa maior para o casal Dan e Nicole. O par vive uma crise conjugal da qual se mostrará incapaz de sair. Dan é um antigo militar que passa os dias mergulhado no álcool e nas sestas que faz pela tarde fora o que se revela insuportável para Nicole. Arthur é o agente imobiliário de serviço a ambos. Ele que nutre uma secreta paixão pela muito religiosa e puritana Charlotte, sua colega de trabalho. Charlotte que, no final do dia, ainda cuida de Arthur, um velho acamado e louco varrido que é pai de Lionel, justamente o barman do bar do hotel onde Dan passa os dias a emborcar copos. Pelo meio ainda surge Gaëlle, irmã de Arthur, que busca fugir da solidão através de encontros promovidos em jornais e na Internet. Como cereja em cima do bolo, umas estranhas cassetes vídeo supostamente gravadas de programas religiosos acabam por se tornar no sumo dos dias para Arthur.



Nesta incursão cinematográfica por ambientes mais ligados ao teatro, pode dizer-se que a visão de Resnais sobre a solidão das gentes na grande cidade (de Paris) é invariavelmente melancólica e mesmo quando os diálogos se declaram hilariantes partem sempre de um sentimento de desgraça ou menos positivo relativamente à acção das personagens. O refúgio no álcool, na pornografia ou mesmo a aventura de esperar sentada num bar por quem não se sabe rigorosamente nada para além daquilo que está descrito num anúncio de “alguém que procura alguém”, são para a realização a única forma de redenção de almas solitárias sem amor e muito menos esperança de o vir a alcançar. E quando o tentam fazem-no de forma tosca, atabalhoada. Mesmo quando Gaëlle e Dan parecem no bom caminho para o conseguir, rapidamente Resnais lhes retira o tapete da felicidade.



Em suma, estamos na presença de um cinema reflexivo, crítico, mas deveras negativista que surge de França ao estilo das depressões do clima que normalmente nos chegam do norte da Europa. No fundo, é como se Resnais quisesse curar uma bebedeira com outra bebedeira pelo que o tom nada tem de motivador para o espectador que hipoteticamente possa passar pela circunstância de viver na situação descrita de alguma solidão. Apesar disso, no final do filme é possível que esse mesmo espectador sinta uma sensação estranha de bem-estar psicológico. Talvez porque depois de um exigente exercício – mental, neste caso – é bom descansar um pouco e poder avaliar a bondade do esforço feito. Isto pese algum sacrifício passado para o concluir.





Coeurs, de Alain Resnais, com Sabine Azéma, Lambert Wilson, André Dussollier, Pierre Arditi, Laura Morante, Isabelle Carré e Claude Rich





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