domingo, 31 de outubro de 2010

O Casamento de Rachel





Casamento Debaixo de Chuva



Do cineasta oscarizado por «O Silêncio dos Inocentes» (1991) chegou até nós «O Casamento de Rachel», cujo argumento se poderá resumir a um fim-de-semana que deveria ser apenas de festa mas se torna num carrossel de emoções quase todas elas bem amargas. Isto porque o regresso a casa de Kym vinda directamente de uma clínica de desintoxicação para assistir ao casamento da irmã – papel que valeu a nomeação ao Oscar de Anne Hathaway –, tem o condão de fazer desenterrar as memórias mais dolorosas da família, com especial incidência na morte do pequeno Ethan, irmão de ambas as jovens. Para além disso, tal como se sugere, Kym carrega consigo um longo historial de consumo de drogas e é, emocionalmente, uma bomba relógio prestes a explodir por toda a casa que se encontra recheada de convidados para a boda. Basta-lhe, para isso, abrir a boca ou mexer um simples músculo do seu corpo. Paul (Bill Irwin), o pai, continua a desculpar e proteger Kym, condescendência que aborrece tremendamente Rachel (Rosemarie DeWitt) perante a apatia de Abby (Debra Winger), a mãe, que aparenta fazer apenas o favor de testemunhar o casamento da filha. Abby que, tal como Paul, entretanto se divorciara e casara de novo.



A referência neste texto a «O Silêncio dos Inocentes» não é fruto do acaso. Na verdade, em «Rachel Getting Married», título original deste filme, o experiente Jonathan Demme resolve baralhar e dar de novo em termos formais o que na minha perspectiva não ajuda em nada o filme, a história que este conta e mesmo o espectador que fica meio atarantado com tanto solavanco de câmara que segue pelas diversas divisões da casa e jardins carregada aos ombros ao jeito de Dogma95. A intenção é boa e percebe-se o seu porquê, mas, como diz o ditado, de boas intenções está o inferno cheio e o propósito de convidar o espectador a entrar na festa(?) como se este participasse activamente nos acontecimentos não é feliz. Primeiro, e socorramo-nos de novo da voz do povo, a casamentos e baptizados só devem ir os convidados; depois, porque a trama é de tal modo dramática e psicologicamente perturbadora que convida à reflexão sobre aquilo a que se assiste e de tanto se sacudir a câmara prejudica-se a acção da mente; finalmente, porque os acontecimentos, os que se dão e aqueles que se evoca, já são por si só tão inquietantes que não era necessária esta mãozinha nervosa do realizador para nos abalar ainda mais.



Ainda assim, «O Casamento de Rachel» é uma interessante proposta de cinema que traz ao de cima os fantasmas de uma família disfuncional e desarticulada num momento que deveria ser de união e alegria. E como comédia dramática que é a gestão dos diálogos e dos silêncios que estes provocam, o movimento desordenado das personagens e a libertação das tensões acumuladas convergem todos para um denominador comum: o amor e a compreensão personalizados pelo pai de Rachel e Kym mas sobretudo por Rachel, ela que é uma mulher ainda bastante jovem mas que não abdica de si para se entregar aos outros. E esta é uma mensagem fundamental num mundo dominado pelo egoísmo e pela letargia tão bem simbolizado pela mãe das duas jovens, uma Debra Winger invariavelmente distante mesmo na hora de dar um beijo ou um abraço. Quanto a Anne Hathaway, é verdade que arranca mesmo uma interpretação fantástica personalizando uma jovem perturbada e desajeitada. Ela que confunde o riso com o choro e se perde nas suas emoções, mas, ao contrário daquilo que se poderia pensar, nunca perde a razão. A razão como consciência, entenda-se. E é por isso que Kym sofre.





Rachel Getting Married, de Jonathan Demme, com Anne Hathaway, Rosemarie DeWitt, Bill Irwin e Debra Winger


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