domingo, 31 de outubro de 2010

My Blueberry Nights – O Sabor do Amor





Postais da América

Para quem tenha visto «Chungking Express» (1994) mas, sobretudo, «In the Mood for Love» (2000) reconhece imediatamente em «My Blueberry Nights – O Sabor do Amor» as sedutoras fragrâncias do cinema do chinês Wong Kar-Wai. Pode então dizer-se que este novo filme de Kar-Wai é cinema de autor? Pode, mas na minha opinião não deve. Fazê-lo seria diminuir a dimensão dramática do filme que importou para o cinema a cantora jazz Norah Jones. E em boa hora o fez.



Se lerem em algum lado que «My Blueberry Nights» é um filme imperfeito, acreditem. Se vos disserem que a vida não é perfeita, acreditem também. Se alguém vos confidenciar que cinema é muitas vezes o retrato fiel da vida, acreditem ainda. Porque é precisamente da vida que falamos no filme em que partindo de um bar em Nova Iorque onde desabafa intimidades com Jeremy (Jude Law), Elisabeth (Norah Jones) resolve reinventar-se. Como mulher e como pessoa. E parte sem destino determinado e tempo definido. Fá-lo ao jeito de confissão para Jeremy mas redireccionando para os espectadores do cinema de Wong Kar-Wai singulares postais da América. Singulares porque ilustram os locais por onde vai passando através das gentes que em nome da sobrevivência se enganam a si mesmas procurando mostrar uma adaptação que estão longe de alcançar a um mundo que em boa verdade lhes é adverso (personagem de Natalie Portman) ou fugindo do amor que desejam mas cuja força são incapazes de suster (personagem de Rachel Weisz).



Pela sua impossibilidade, mais uma vez a realização de Wong Kar-Wai filma a dimensão trágica do amor. Neste caso, do amor entre um homem e uma mulher mas também do amor filial de uma filha por um pai. E enquanto comboios cruzam a noite e os reflexos das luzes no escuro nos embalam para um universo de encanto e tentação, a banda sonora da responsabilidade de Ry Cooder permite-nos o toque final no arrebatamento pelo filme.



Pelo magnetismo da sua interpretação Norah Jones tem um início de carreira auspicioso, Rachel Weisz apresenta-se na tela mais bela que nunca, David Strathairn compõe um polícia amargurado pela infelicidade no amor, Natalie Portman revela um lado frenético e intranquilo que não se lhe conhecia na enganosa segurança da sua personagem e Jude Law arranca uma prestação irrepreensível. Sem excessos, sem se colocar em bicos de pés, ele está lá e é peça fulcral no desenlace do nó que Kar-wai concebeu. Ele que aguarda tranquilamente pelo amor na prolongada espera por Elisabeth.



E é neste itinerário percorrido por almas à deriva, neste plano geral de vários postais ilustrados, que se fez um quadro único em que Wong Kar-Wai reproduz o sabor do amor. E se ouvirem dizer que «My Blueberry Nights» é isto ou aquilo, não acreditem. Não vão por aí, sigam em alternativa o caminho de uma sala de cinema e assistam ao filme, confiram por vós. No fim, corram a comer uma tarte de mirtilo. Pode ser o vosso dia. Quem sabe alguém decide limpar-vos os lábios de um modo muito especial!?





My Blueberry Nights – O Sabor do Amor, de Wong Kar-Wai, com Norah Jones, Jude Law, David Strathairn, Rachel Weisz e Natalie Portman

2 comentários:

CLÁUDIA disse...

Confesso que ainda não vi mais nenhum filme de Wong Kar-Wai, apesar de os amigos não pararem de me recomendar o "In the mood for Love"... Mas gostei muito deste "My Blueberry Nights" e abriu-me o apetite, não só para uma tarte de mirtilo mas, principalmente, para conhecer o resto da filmografia deste senhor. :)

JL disse...

«In The Mood For Love» parece-me ter tudo a ver com as fragrâncias que libertas de ti na tua escrita. Algures, também há aqui na casa uma crítica a esse filme poético com uma inolvidável banda sonora.

Concordo contigo, Wong Kar-Wai é mesmo um senhor do cinema. :)