domingo, 31 de outubro de 2010

Parnassus – O Homem Que Queria Enganar o Diabo








Deus e o Diabo numa terra sem Sol



Duvido que me consiga fazer entender, mas desde sempre achei que certos aspectos de imperfeição criam um poder de sedução enorme sobre algo ou alguém. Sobretudo quando essa imperfeição surge de uma sinceridade absoluta, de uma ingenuidade bondosa de quem se assume tal como é rejeitando maquilhagens de estilo, forma ou personalidade. «Parnassus – O Homem Que Queria Enganar o Diabo» é feito desta massa e Terry Gilliam, o ex Monty Python, é um realizador cujos filmes são erigidos sobre uma cinematografia arriscada e invariavelmente à beira do precipício. Não será pois de estranhar que passados vinte a trinta minutos de fita, a sensação que sentia crescer em mim com mais força era a de estar na presença de um filme confuso e muito desarrumado. E desse modo, como espectador também eu me senti à beira do abismo.



«The Imaginarium of Doctor Parnassus», título original do filme, marca também a derradeira participação do malogrado actor Heath Ledger no cinema, ele que morreria de overdose de medicamentos durante as filmagens. Curiosamente, tendo o argumento sido reescrito, o facto permitiu as participações nas filmagens de actores de renome como Johnny Depp (simplesmente brilhante), Jude Law e Colin Farrell. Nos papéis de substituição de Ledger, os três acabam por funcionar como alter-egos de Tony (a personagem defendida por Heath Ledger).



Relativamente à trama, ela parte de uma pacto que o mágico Dr. Parnassus (um Christopher Plummer em muito bom nível) faz com o Diabo (Tom Waits): em troca da imortalidade, Parnassus promete doar ao Diabo a alma do seu primeiro descendente logo que este complete dezasseis anos. E enquanto percorre as ruas de Londres numa carroça a vender a sua magia, Parnassus vai socorrer-se de Tony para tentar salvar a sua filha Valentina a poucos dias de completar a idade que a fará propriedade do Diabo. Valentina que é corporizada por Lily Cole, uma actriz de invulgar e estranha beleza.



Enquanto os clientes de Parnassus vão entrando pelo interior de um espelho mágico podendo aí viver a experiência mais sombria ou os prazeres mais simples, tudo fruto da imaginação dos próprios proporcionada pelo milenar Parnassus, Terry Gilliam caminha sobre o arame num delírio narrativo que chega a ser divertido mas cuja maior característica se alicerça num nítido desequilíbrio formal e de conteúdo. E nesta imperfeição fica a ganhar o mundo que está do lado de cá do espelho apesar das imagens soturnas de uma Londres marginal e nebulosa. No fundo, e no meio de tanto artifício visual, tudo resulta bem simples e mais não se pretende que discorrer sobre o bem e o mal, o real e o imaginado e o verdadeiro e o falso tal como se informa na sinopse promocional do filme. Mas as grandes ideias de Gilliam perdem-se na sua incapacidade de as dotar de riqueza e lucidez narrativas. No entanto, como referi no início a boa vontade e a humildade de querer fazer bom cinema são tão evidentes que o filme acaba por exercer um fascínio sobre nós que em boa verdade não teria só por si. E assim, cada vez mais me convenço que em cada homem louco há um homem bom. Mas é claro que nesta minha convicção falo também por mim.















«The Imaginarium of Doctor Parnassus», de Terry Gilliam, com Christopher Plummer, Heath Ledger, Tom Waits, Lily Cole, Johnny Depp, Colin Farrel e Jude Law


Sem comentários: