domingo, 31 de outubro de 2010

O Segredo dos Seus Olhos



‘te Amo’


Sobre a mesa está pousado um bloco onde falta a letra A, encostada a um canto da sala encontra-se uma máquina de escrever que suprime a mesma letra A, mas apesar de silencioso nos olhos de Irene (Soledad Villamil) pode perceber-se um grande Amor. «O Segredo dos Seus Olhos», filme argentino realizado por Juan José Campanella, foi este ano o surpreendente vencedor do Oscar da Academia de Hollywood para o Melhor Filme Estrangeiro. Mas a surpresa só o é para quem não assista a duas horas de um filme onde o romance, a política e o crime são evocados com sentimento e paixão através de uma cinematografia irrepreensível. O cineasta argentino demonstra nesta obra uma invulgar mestria a lidar com a inquietude existencial do ser humano fiel àquilo em que acredita. Mas para tão grande sucesso, Campanella contou com um invulgar trio de actores cuja actuação só por si valeria todo o visionamento do filme.

Benjamin Espósito (numa fabulosa interpretação de Ricardo Darin) é um investigador judicial reformado que resolve escrever um livro sobre a história de um violento crime ocorrido trinta anos antes e que lhe alteraria radicalmente a carreira e a vida. Empurrado para a cena da violação e assassínio de uma linda mulher recentemente casada, Benjamin acaba por ficar preso à tragédia a que assiste e, posteriormente, à força do amor que sente no jovem viúvo dilacerado pela perda da companheira. Mas está-se em 1974, a Argentina vive debaixo de um regime arcaico e feudal e apesar de tudo fazer para que o criminoso seja apanhado e punido, Benjamin vai perceber que querer não é poder quando se depende dos outros e de um sistema judicial corrupto. No entanto, o investigador é um idealista e enquanto persegue o assassino vergado pela força do amor de outrem nem se apercebe que lentamente vai perdendo a possibilidade de ser feliz com a mulher que ama.

O facto de se estar perante o processo de criação de um livro, permite ao filme viajar constantemente entre o passado e o presente, a realidade e a ficção. E se os diálogos são um dos seus maiores trunfos, fazendo até vincar um pouco a singularidade do povo argentino, é nos silêncios, naquilo que se não diz, e na expressividade dos olhares que o filme atinge toda a sua plenitude. Verdadeiramente bem trabalhada e a demonstrar o quão coerente pode tornar-se a acção dos homens podendo atingir foros de um dramatismo sem paralelo, a trama policial acaba igualmente por ser um mero pretexto para o que pode ser o vazio total de uma vida sem o objecto da nossa paixão. Nesse amor silenciado, reprimido, são personagens principais Benjamin e Irene mas é fundamental perceber no final do filme o modo como Ricardo Morales (Pablo Rago), o desditoso viúvo, preencheu o vazio da sua vida sem a mulher que lhe foi violentamente roubada. A si e à vida.

Em suma, «El Secreto de Sus Ojos» é um filme notável sobre a existência humana num olhar sensível e inteligente que toca sem ser sentimentalista. E a par disso, como já referi atrás, há todo um festival de bem representar dado por Ricardo Darin (Benjamin), Gillermo Francella (o colega e amigo Sandoval) e Soledade Villamil (Irene). Imperdível.



«El Secreto de Sus Ojos», de Juan José Campanella, com Ricardo Darin, Gillermo Francella e Soledade Villamil




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