domingo, 31 de outubro de 2010

O Virtuoso Sr. S.

[Eduard Kosmack, 1910 - Egon Schiele]







Anos atrás quando me iniciei no mundo do trabalho, travei conhecimento com um prodigioso director de compras de uma empresa nos subúrbios de Lisboa. Homem de aparência fina, bigode e cabelo sempre muito bem aparados sem que nestes se vislumbrasse um único cabelo branco apesar de já na altura ter passado em muito os cinquenta anos, o Sr. S. era tido em muito boa conta pelos seus superiores e olhado como um velho dinossauro da mediação no sector empresarial em que se encontrava.



Na verdade, o ilustre Sr. S. era mesmo um excelente negociador. Mas o que os seus chefes não sabiam era que o seu talento esmorecia paradoxalmente ao volume do envelope de notas que lhe era dado à sorrelfa por quem alinhava nos seus dúbios princípios morais. Apesar disso, quem o ouvisse falar e soubesse destes factos ficaria espantado com a desfaçatez do homenzinho pois o biltre julgava-se o mais íntegro, impoluto e imparcial dos homens. Este foi um dos meus primeiros choques com a realidade das relações humanas, o que me levou desde logo a concluir que é perfeitamente verdadeira aquela frase que diz que um homem é o que é e aquilo que julga ser.







[Por esta altura, era chefe do governo um tal de Cavaco Silva, hoje Presidente da República, e recordo-me bem de uma ida sua ao parlamento afiançar que Portugal não era um país de corruptos. Houve quem ainda chegasse a desconfiar levemente desta tese, mas uma afirmação do mesmo Cavaco à imprensa garantindo que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas descansou quem não tinha ficado lá muito convencido. E certamente que tranquilizou também o Sr. S. e seus pares.]







O Sr. S. acabou por morrer num infeliz e aparatoso acidente esmagado por um desses camiões de recolha de lixo na conjugação fatal de uma marcha-atrás e de uma distracção; afinal uma ocorrência nefasta que se revelou uma triste ironia do destino.




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