domingo, 31 de outubro de 2010

Uma História Simples



Há filmes que nos marcam para sempre e que a poeira do tempo não mais varrerá da nossa memória. Hoje, ao arrumar precisamente algumas caixas de filmes, um deles transmitiu-me uma sensação especial ao contemplá-lo. Sentei-me um pouco e relembrei, anos atrás, a emoção que experimentei ao vê-lo na tela grande do cinema.



Foi num dos muitos dias de 1999 em que entrei numa das salas de cinema do CC Saldanha Residence, em Lisboa, para assistir a mais um filme. Parece propositada a ressonância poética, mas não, chovia mesmo e estava bastante frio lá fora. Lembro-me perfeitamente. Apesar disso, cerca de duas horas mais tarde quando saí da sala sentia-me reconfortado. Na mente e na alma. Nada disso importava. Nem a chuva, nem o frio, nem o trânsito a respingar água para os transeuntes desprotegidos no passeio ao longo da avenida. Nada. Naquela hora, até para bem alto o meu pensamento voou e soaram-me ainda mais inúteis, tremendamente vazias de sentido, as querelas que os homens fazem questão de alimentar e nos condicionam a todos no dia-a-dia. Tinha acabado de assistir a «Uma História Simples», de um surpreendente e atípico David Lynch.



Pese o nome grande do cinema que assinava a obra, e de cujo trabalho sou adepto, era no entanto outro o nome que baloiçava na minha mente. O de Alvin Straight, um homem velho, de barbas descuidadas, olhar azul e tímido que cruzou as pradarias norte-americanas ao longo de centenas de quilómetros no simples intuito de visitar o seu irmão doente e com quem se encontrava desavindo. Alvin não queria, não podia, deixar que algo pudesse acontecer ao seu irmão, que este pudesse deixá-lo sem que antes lograssem entender-se, recuperar a comprometida relação de irmãos, fumar um cigarro a seu lado. Para que fosse possível cumprir o seu desejo, adaptou um velho cortador de relva para nele poder fazer a viagem. Uma viagem de mais de 400 quilómetros onde foi colhendo amizades ao longo de um percurso de dias e noites sujeito aos caprichos do tempo. Pediu ajuda, comeu com quem lhe ofereceu mesa, assou salsichas em fogueiras acesas em clareiras iluminadas pelo luar… Foi difícil, mas conseguiu.



Está na hora de rever esse fantástico filme, essa poderosa lição de amor fraterno, que é «Uma História Simples» («The Straight Story»), de David Lynch.

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