domingo, 31 de outubro de 2010

A CIDADE



Ben Affleck, um realizador que promete

Doug McRay [Ben Affleck] viveu e cresceu em Charlestown, um bairro de Boston conhecido por formar mais assaltantes a bancos que qualquer outra parte do mundo. E como marginal que se preze, Doug teve toda a sua formação na escola da rua criado por um pai delinquente e abandonado pela mãe ainda muito jovem. Agora, ele e mais três amigos formam um perigoso e muito competente bando de assaltantes não apenas a bancos como a carrinhas de transporte de valores. Mas, neste entremeio, Doug McRay vive o dilema de querer abandonar a única vida que sempre conheceu não o conseguindo fazer preso às ligações afectivas e de hierarquias entre criminosos que criou e não consegue quebrar. E de assalto em assalto, mergulhado na turba da cidade, para complicar ainda mais a sua situação Doug acaba por se apaixonar pela mulher responsável por um dos bancos que assalta.
Depois de «Vista Pela Última Vez…» [2007], Ben Affleck, actor pouco reconhecido e argumentista de valor, volta à realização provando que o cinema é a sua paixão e que talvez tenha encontrado a sua verdadeira vocação. Assim, «The Town» agiganta-se como filme na sua acção frenética, como convém, mas sobretudo por se tornar num filme pleno de tensão e força narrativa onde o equilíbrio entre a emoção de personagens com vida e a crueza do mundo por que estas optaram marca o respeito por um género, o ‘thriller’, como há já algum tempo não se via. De facto, a autenticidade que sobressai das personagens de Doug [Affleck], de James [Jeremy Renner], o seu cúmplice e melhor amigo e de Claire [Rebecca Hall], a gerente do banco que assalta e por quem se apaixona, é um factor que vai muito para além da simples competência e imediatamente pressupõe um talento muito especial para a realização de filmes. E sem querer entrar em comparações indesejáveis até para o jovem realizador Ben Affleck, nos últimos tempos só um homem conseguiu fazer passar para o público essa genuinidade. E esse é tão somente Clint Eastwood.
A um filme com um ritmo narrativo muito vivo, igual espessura dramática das personagens [mesmo daquelas que se afiguram como secundárias na trama] e um importante sentido do detalhe não é alheia a aliança entre a literatura e o cinema. Baseado na obra «Prince of Thieves», de Chuck Hogan, «A Cidade» soube ir beber à literatura aqueles pormenores que muitas vezes algum cinema se esquece de acentuar. Umas vezes por pura arrogância demasiado crentes no valor da imagem e outras por manifesta incapacidade dos seus artesãos. E talvez seja até um cliché olhando para o currículo de Affleck como actor, mas lamenta-se aqui a sua falta de carisma para um papel que a exigia em dose dupla. No entanto, neste capítulo das interpretações Jeremy Renner dá um recital de como bem representar num papel que lhe assenta que nem uma luva. E John Hamm [o agente do FBI que persegue o grupo de assaltantes] desempenha na perfeição a figura do polícia tão determinado a quebrar as leis que os assaltantes impõem como atormentado por uma certa incapacidade em consegui-lo. Uma incapacidade que parece resultar muito mais do talento dos bandidos que da sua própria ineficácia.
Resumindo, «The Town» é muito mais que um filme de polícias e ladrões. É uma obra que nos fala da irreversibilidade de determinados percursos de vida e, quando existe essa vontade, de como é difícil a fuga a um destino que parece estar traçado. E foi no meio da marginalidade e de alguma desordem social que se Affleck foi compondo esta sua poesia do fracasso. De um e de outro lado da barricada.

«A Cidade», de Ben Affleck, com Ben Affleck, Rebecca Hall, Jeremy Renner e John Hamm

Sem comentários: