domingo, 31 de outubro de 2010

Visto do Céu












O inferno na terra



Que dizer de um filme recheado de boas intenções e que admitimos ir tocar emocionalmente a esmagadora maioria dos espectadores dada a sua temática dolorosa mas que acreditamos ser uma obra falhada dados os seus desequilíbrio e despropositada grandiloquência? Provavelmente o melhor seria remetermo-nos ao silêncio. Isto porque ninguém quer – eu pelo menos não o pretendo – tocar amargamente o âmago de quem ler palavras menos amáveis para com um filme que nos fala de uma menina cruel e precocemente expulsa desta vida, ficando algures num território descrito como geograficamente situado entre a vida e a morte. Mas porque discordo totalmente da abordagem de Peter Jackson (realizador da fabulosa trilogia de «O Senhor dos Anéis») a um caso de vida (e morte) tão visceralmente cortante, arrisco mesmo magoar quem tenha visto e se tenha particularmente comovido com «The Lovely Bones», no seu título original.



Susie Salmon (Saoirse Ronan) é uma adolescente de catorze anos feliz e apaixonada pela vida e por um colega de escola. Vivendo no seio de uma família feliz composta pelo pai (Mark Wahlberg), pela mãe (Rachel Weisz) e por um pequeno irmão e uma irmã, Susie está longe de adivinhar que vive paredes meias com um perigoso pedófilo. Atraída pela curiosidade natural de uma menina ingénua e de boa índole, Susie acaba violentada e barbaramente assassinada por George Harvey (Stanley Tucci), um seu vizinho. Incapaz de seguir definitivamente para o céu, Susie observa a meio caminho entre a morte e a vida a incapacidade da sua família em superar a dor de tão difícil perda.



O filme adapta o livro homónimo de Alice Sebold, ‘best seller’ mundial. No entanto, a magnificência visual e plástica pretendida pela realização resulta numa superficialidade aviltante que apenas visa explorar do pior modo a dor de quem, sentado numa cadeira da sala de cinema, observa a tragédia da família Bones. E o que poderia ter sido um ensaio sobre os mistérios que encerram a vida para lá da morte, acaba por se tornar num exercício patético e inverosímil sobre uma família devastada e incapaz de ultrapassar a mágoa para poder prosseguir o seu caminho.



Ainda assim, na abordagem psicológica ao assassinato, e ao assassino, o filme mostra um cuidado que não teve na questão familiar e da já referida enigmática condição de Susie. Para isso muito contribuiu a portentosa interpretação de Stanley Tucci, o psicopata, ele sim a mostrar-nos como o perigo pode morar ao nosso lado sem que dele suspeitemos. E esta acaba por ser a prova final do enorme desequilíbrio de um filme onde a tragédia de uma família duramente traumatizada acaba por ser secundarizada pela assustadora normalidade de um homem profundamente doente e desumanizado. É também isto que eu não posso perdoar a Peter Jackson. Assim como à ideia subjacente da sua realização de que perante um drama como o que se assiste ao homem apenas resta coração como se devêssemos menorizar a razão. E eu não acredito nesta teoria.







«The Lovely Bones», de Peter Jackson, com Saoirse Ronan, Mark Wahlberg, Rachel Weisz, Susan Sarandon e Stanley Tucci



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