domingo, 31 de outubro de 2010

A Troca





Era uma vez na América



De facto, é um cliché inevitável: Clint Eastwood é um dos maiores realizadores da actualidade e herdeiro do cinema clássico de homens como Ford, Walsh e mesmo Sérgio Leone. Sem grandes concessões estilísticas mas com uma fotografia esplêndida que prende o espectador à tela desde o primeiro segundo, Eastwood (que faz 79 anos de idade em Maio) construiu em «A Troca» um filme tocante que conta uma história baseada em factos reais tão dura quanto revoltante de uma mãe em luta contra o despotismo de uma polícia que alia a arbitrariedade à incompetência.



Estamos em 1928 quando Christine Collins (Angelina Jolie), uma mãe que vive só com o pequeno filho Walter depois do pai do miúdo os ter abandonado a ambos quando este nasceu, chega um pouco mais tarde a casa após novo dia de trabalho na companhia de telefones onde é operadora e dá pela falta do rapaz. Feita a queixa à polícia, esta só passadas 24 horas a aceita para ao fim de uns meses aparecer com um outro miúdo que Christine desde logo percebe desesperadamente não ser aquele o verdadeiro Walter. Incapaz de reconhecer o erro, a corrupta polícia de Los Angeles força a pobre mãe a aceitar o filho de outra mulher como seu. Como Christine reage e luta para que a polícia aceite a falha e com isso volte a procurar Walter, a reacção das autoridades é inacreditável até à náusea chegando a internar compulsivamente a mulher num hospital psiquiátrico. Entretanto, quase por acaso, o Detective Lester Ybarra (um impressionante Michael Kelly) depara com um Serial Killer monstruoso que à sua conta assassinara de forma bárbara pelo menos vinte miúdos. Com estes novos acontecimentos e a ajuda de um padre (John Malkovich) que luta contra a repressão policial, o caso sofre uma reviravolta.



Se algo nos fica deste filme para além da força do amor de uma mãe que nunca desiste do seu filho apesar de seviciada por quem a deveria ajudar e apoiar, é a confirmação de uma certeza tão antiga quanto a civilização: que o poder exercido por quem não tem estrutura para o deter pode revelar-se de uma atrocidade insustentável. Depois, e no que concerne ao cinema, a convicção e força de uma narrativa que é simples somente na aparência. Como defendeu um dia Otto Preminger, o bom filme é aquele onde não se nota o dedo do realizador, embora tudo o que este faz o faça de modo deliberado. E esta capacidade Clint Eastwood teve-a mais uma vez, agora em «A Troca». Ainda para mais sendo obrigado à (brilhante) reconstituição de uma época, a dos anos 20/30 do século XX. Para terminar, quer-me parecer que o cinema que nos surge da mais recente filmografia de Eastwood se revela cada vez mais como um símbolo eloquente e cruel de uma América de contrastes, uma América que vagueia entre a magia do sonho e o mais terrorífico pesadelo. E esse drama está bem patente na tristeza do olhar de Angelina Jolie, pese o optimismo quase obsessivo da sua personagem indiferente ao pessimismo dos sinais que lhe vão chegando do exterior. Excelente proposta de cinema, este «Changeling», no seu título original.







«A Troca», de Clint Eastwood, com Angelina Jolie, John Malkovich e Michael

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