domingo, 31 de outubro de 2010

Um Lugar Para Viver










O sentido da Vida



Sejamos honestos, Sam Mendes não é propriamente um estudante de cinema a apresentar uma tese de licenciatura e o estatuto que granjeou como realizador de cinema não lhe permite o relaxamento criativo que se observa neste dificilmente classificável «Um Lugar para Viver». Mendes, que ganhou primeiramente fama no teatro, mais propriamente no West End londrino, especializou-se no cinema como cronista de uma certa desolação quotidiana tal como o atestam «American Beauty» (1999), com o qual ganhou o Oscar, e o mais recente «Revolutionary Road» (2008). Daí que não seja de estranhar que aborde novamente uma temática ligada a famílias disfuncionais e casais em busca do sentido da vida. Mas se como comédia o filme perde importância em termos de intervenção psicossocial dadas as personagens demasiado caricaturais, como melodrama vive de situações inverosímeis e rebuscadas numa tentativa fútil de validar os dilemas do casal central da trama.



A própria premissa de que o filme parte é desde logo um pouco patética. Um casal de trintões descobre que vai ter um filho e aos seis meses da gravidez de Verona (uma excelente Maya Rudolph) vem também a saber que os pais de Burt (John Krasinski também em bom nível) vão partir para a Europa deixando-os a sós no Colorado onde viviam lado a lado. A partir daqui, Burt e Verona resolvem iniciar uma viagem por quase toda a América do Norte em busca de amigos e familiares que possam servir-lhes de farol para uma vida nova com a filha que está para nascer. E a intenção é mudarem-se definitivamente para junto dos eleitos. A ideia já por si soa um pouco a disparatada, mas olhando a imaturidade e pouca preparação dos dois trintões perdoa-se o que em condições normais seria de todo improvável. O problema é que nas visitas que fazem em locais tão distantes como o Canadá ou a Flórida, os dois só vão encontrar famílias desestruturadas, ‘hippies’ aburguesados e completamente descompensados intelectual e emocionalmente e até um casal que durante o dia adopta crianças como quem muda de camisa e à noite frequenta bares de ‘striptease’. E é claro que na sua quase infantilidade Burt e Verona saem a ganhar e acabam por descobrir o já referido sentido da vida. Pena é que não haja no filme uma única pessoa de comportamento social minimamente aceitável.



Enquanto brincou aos filmes em «Um Lugar para Viver», Sam Mendes gozou de liberdade criativa e até se integrou num mundo que nunca foi o seu, o do cinema independente. Deu ainda um toque intimista à sua realização e misturou num casal alguma ingenuidade com amor confrontando-o com figuras ainda mais excêntricas e outras completamente doidas. Não conseguiu no entanto evitar alguma falha de ritmo da acção que se deve a uma estrutura dramática desconexa já que muitas das cenas quase parecem curtas metragens diferentes entre si. Apesar disso, e do facto de haver pouca verdade neste seu filme, no deve e haver final observamos um ‘road movie’ bastante agradável de se ver e hilariante a espaços que não deve deixar de ser aconselhado a quem gosta de filmes… no cinema. Isto porque «Away We Go» tem bons actores e respeita uma linguagem cinematográfica que a televisão não tem capacidade para transmitir. Quanto a Sam Mendes, que venha o novo James Bond, próximo projecto do realizador. Um filme que vem mesmo a calhar, já que nas histórias do espião ao serviço de sua Majestade abundam as mulheres bonitas e Mendes acabou de se separar de Kate Winslet. A ver vamos se Rachel Weisz não volta para os braços do compatriota.



«Away We Go», de Sam Mendes, com John Krasinski e Maya Rudolph

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