domingo, 31 de outubro de 2010

O Lado Selvagem

A Felicidade Era já Ali

Por onde começar? Que dizer de um filme extremamente comovente onde alguém busca uma espécie de desprendimento salvador do que entende como os malefícios da sociedade e acaba por se ver refém exactamente daquilo em que acreditava como sendo a verdadeira felicidade?





[Antes de mais, antes mesmo de falar objectivamente do filme, dizer que na ainda curta filmografia de Sean Penn como cineasta, a natureza tem um papel fundamental no ser humano como solução redentora para as dificuldades psicossociais com que este tropeça na sua trajectória de vida. Apesar disso, acredito que se Penn quiser chegar como realizador ao patamar que já atingiu como actor, terá que arrepiar caminho numa certa grandiloquência invariavelmente presente no seu modus operandi. Sobretudo quando ensaia a exposição do vértice homem – natureza. E em «O Lado Selvagem» não fugiu à (menos boa) regra.]



À partida, arrisco dizer que o filme «O Lado Selvagem» funciona como uma trágica ironia do destino associada a um jovem que aproveita os problemas que foi coleccionando na sua relação com os pais para se pôr de mal com o dito mundo civilizado. Após a licenciatura na universidade como aluno brilhante, Christopher McCandless (Emile Hirsch) doa todas as suas economias e parte com uma mochila às costas em direcção ao Alaska e àquilo que entende preencher todas as suas necessidades: viver da natureza apartado do resto do mundo. Sem qualquer dinheiro – já que queima as últimas notas que lhe restam – entre os poucos pertences que transporta consigo, fazem parte algumas obras de importantes escritores, um outro livro que ensina a colher a sua própria alimentação da natureza e, entre outros apetrechos, um profundo rancor pelos pais. Pais que, pese os eventuais erros cometidos, o amam verdadeiramente e sofrem com a sua perda. Mas o que esperava constituísse a redenção para todos os seus males acaba por se tornar na sua maldição. Christopher, como seria expectável, perde na luta que se vê obrigado a travar com a natureza.



A dor de Christopher era, afinal, a única razão da sua existência. Insensível ao dito de um velho e sábio homem (um fabuloso Hal Holbrook) que lhe dá guarida durante uns dias – ele que lhe diz qualquer coisa como “ao perdoarmos é que estamos verdadeiramente a amar” –, o desafortunado aventureiro ainda tem tempo para perceber que “a felicidade só existe quando partilhada”. Refém da natureza e do seu próprio projecto de vida, o filme tem o condão de nos convidar a olhar bem para o que nos rodeia antes de decidirmos que não somos felizes ou que o que temos não nos basta. Também para nos ajudar a perceber que ainda que o que tenhamos nos desagrade pode ser esse o ponto de partida que ajude a construir os alicerces do amanhã.



Baseado numa história verídica, aqui se prova que o declínio da ideia de salvação pode muito bem iniciar-se quando tomamos consciência do que consiste a verdadeira felicidade. E esse momento fulcral de auto-consciência da necessidade de viragem, pode dar-se tarde demais. «Into the Wild» contém, em resumo, uma inesperada e irónica lição de vida. Possui ainda uma fotografia lindíssima que resulta muito bem acompanhada das vozes em off. E ao longo do desenrolar da película, jamais se perde a sensação de humidade no olhar mas sem nunca chegar a cair uma lágrima. E isso joga a favor do filme e da realização de Sean Penn.



A ver com os olhos da alma sem esquecer a necessária reflexão.


O LADO SELVAGEM, de Sean Penn, com Emile Hirsch, William Hurt e Marcia Gay Harden


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