domingo, 31 de outubro de 2010

Reservation Road - Traídos Pelo Destino





Fragilidades do ser humano



Que acontece quando descobrimos que alguém que, aos nossos olhos, cometeu o mais horrendo dos crimes é afinal um ser humano tal como nós, devastado pelo sofrimento, psicologicamente arrasado pela culpa? Continuaremos a querer consumar a nossa vingança desacreditando na justiça das instituições ou deixaremos simplesmente que o sistema funcione por si e actue de acordo com as regras? Estas são perguntas que ficam no ar após o visionamento de «Reservation Road – Traídos Pelo Destino» e que poderiam muito bem servir de premissa para o thriller realizado por Terry George («Hotel Rwanda», 2004) a partir do livro de John Burnham Schwartz, de 1998, considerado pelo New York Times como um dos mais notáveis romances publicados naquele ano.



Um pai orgulhoso do pequeno filho não só vê este ser atropelado mortalmente como observa impotente a fuga do condutor assassino. Outro pai, o alegado assassino, vive os resquícios de um divórcio difícil e procura reconquistar o amor do filho. Enquanto um, o primeiro, tem até ao dia fatídico uma vivência descontraída e quase idílica num casamento perfeito com dois filhos fantásticos, o outro, o segundo, é um homem em conflito consigo mesmo, vítima das más decisões tomadas na sua vida até então. A partir do horroroso acidente, Ethan (Joaquin Phoenix) não conseguirá ultrapassar a dor da perda passando os dias obcecado com a busca de vingança e Dwight (Mark Ruffalo) afunda-se nos remorsos e procura encontrar em si a coragem para finalmente encarar de frente e assumir as responsabilidades pelos seus actos. A espiral de tensão aumenta até à inevitável colisão entre os dois homens.



Por vezes a linha que separa o cinema do telefilme é bastante ténue. E quando deparamos na sala escura do cinema com um filme de semelhantes características, ou somos emocionalmente tocados por ele ou torna-se muito fácil fazer com que este se torne num objecto fílmico de algum desdém. No entanto, nesta obra que trabalha o desmoronamento familiar, a relação filial de pai e filho sob duas perspectivas diferentes, a (des)confiança no sistema judicial e, por último, a transformação de um aparente demónio em mero e frágil ser humano, a sobriedade da narrativa acaba por colocar sobre os ombros dos actores todo o ónus de sucesso ou falência de um projecto à partida muito mais ambicioso. E quer Joaquin Phoenix, já hoje um dos grandes do cinema norte-americano, quer Mark Ruffalo, sobretudo este sendo que é um dos actores da actualidade que melhor expressa as debilidades psicológicas e de carácter do ser humano, atribuem ao filme uma expressão cinematográfica que só por si a realização não atingiria. Destaque ainda para o efeito de catarse que o final do filme proporciona depois de momentos em que o difícil é conseguirmos não nos emocionar com a aterradora visão de algo que queremos bem longe de nós mas sabemos poder estar tão perto. E nessa identificação, nessa dimensão de pânico para onde nos transporta o thriller assinado por Terry George, reside o cinema numa das suas facetas mais importantes: pese o lugar-comum, confrontar-nos com a vida tal como ela é.



«Reservation Road – Traídos Pelo Destino», de Terry George, com Joaquin Phoenix, Mark Ruffalo, Jenniffer Connely e Mira Sorvino

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