domingo, 31 de outubro de 2010

Bem-vindo ao Turno da Noite




Um artista à solta no Supermercado



«Bem-vindo ao Turno da Noite» (2006) deriva da curta-metragem de sucesso «Cashback». O título original do filme manteve-se, a realização e o argumento continuam a pertencer a Sean Ellis e os dois intérpretes principais foram preservados, Sean Biggerstaff e Emília Fox. A curta-metragem, datada de 2004, foi nomeada para o Oscar, embora não tenha vencido o prémio, e, aí sim, entre outros galardões em festivais mais ou menos mediáticos venceu o Prémio do Público do… FIKE – Festival Internacional de Curtas-metragens de Évora.



Antes de mais, ensaiemos uma ligeira introspecção. Há diferentes tipos de realizadores e realizações mas quedemo-nos apenas em dois: os realizadores que esquecidos de si visam unicamente erigir uma obra com base na história e na melhor forma de a fazerem chegar ao público, que eu designo de altruístas, e aqueles que buscam alguma atenção para si mesmos através da forma como constroem o seu filme. Sean Ellis está claramente neste segundo segmento de cineastas. Pelo menos a avaliar por este «Bem-vindo ao Turno da Noite», o que até se poderá justificar em determinada perspectiva dado ser um novato na realização. Posto isto, cabe a cada um de nós, através da individualidade que nos caracteriza, perceber se somos mais ou menos tocados por esta concepção cinematográfica tão legítima quanto a outra.



Ben Willis é um jovem estudante de Belas Artes a viver uma ruptura amorosa. A sofrer de insónia a partir de então, resolve inscrever-se para um emprego no turno da noite de um supermercado. A ideia é aproveitar melhor as oito horas que deveriam ser de sono e, ao mesmo tempo, melhorar a sua decrépita situação financeira. Envolvido desde o momento em que passa a trabalhar no estabelecimento num mundo de personagens bizarras, Ben vive o seu tempo imaginando-se com a capacidade suprema de… o fazer parar. Ao tempo, esclareça-se. Através deste primeiro paradoxo da realização, o espectador confronta-se então com um mundo de beleza que é idealizado por Ben e materializado quase unicamente na formosura feminina. Ao mesmo tempo, cresce no nosso herói um interesse superlativo por Sharon, a serena miúda da caixa registadora.



O que se observa no trabalho da realização reside quase exclusivamente na consistência gráfica que o filme claramente consegue, refira-se em abono da verdade. Isto, através de jogos artísticos de imagens em slow motion que dão lugar a perguntas quase metafísicas, feitas em off, mas a que o argumento responde de modo displicente e banal. Por outro lado, a sensibilidade e introspecção de Ben Willis dificilmente se conjugariam com o humor extravagante de um jogo de futebol a fazer lembrar o génio fílmico de Guy Ritchie. Outra das lacunas do filme prende-se, na minha perspectiva, com a incapacidade deste em transmitir emoção porque vive demasiado preso ao grafismo de esquemas concepcionais muito cerebrais.



Perante o exposto, felizes os contemplados com a graça deste «Cashback» versão longa. Como a fascinante visão dos corpos desnudados de lindas mulheres não chega para fazer bom cinema, não foi o meu caso. Para mal dos meus pecados, é claro.




Bem-vindo ao Turno da Noite (2006), de Sean Ellis, com Sean Biggerstaff, Emília Fox e Michelle Ryan

Sem comentários: