domingo, 31 de outubro de 2010

Duas Irmãs, Um Rei



[Maria Bolena (Scarlett Johansson) e Ana Bolena (Natalie Portman)]









As meninas boas vão para o céu, as más para todo o lado





Para quem aprecia filmes que procuram retratar um período da história universal, «Duas Irmãs, Um Rei» do inglês Justin Chadwick, pode não ser uma boa aposta. Mas se se perceber que o objectivo da realização pretende apenas servir-se dos dados da história para exercer uma reflexão bem mais psicológica sobre os protagonistas desse período da civilização do que narrar factos, então o caso muda de figura. E tanto Natalie Portman (como Ana Bolena) como Scarlett Johansson (como Maria Bolena), dão um recital de boa representação e ofuscam Eric Bana (o carismático – para o bem e para o mal – Henrique VIII de Inglaterra), prendendo sobre si e as personagens que corporizam, toda a atenção de um público já de si rendido à sua beleza ímpar.



O trabalho da realização é bastante competente sobretudo na evidência que consegue ao retratar personagens (pessoas) aliando essa reprodução à moral de uma época onde tudo vale na busca de poder. Chadwick, o já citado realizador, foi ainda suficientemente hábil concentrando-se na vertente psicológica de seres humanos invulgarmente interessantes sem nunca perder ritmo na acção nem o fio à meada. Adaptado do livro homónimo de Philippa Gregory, o filme resulta assim num muito interessante momento de cinema, não apenas pelo trabalho dos actores (acrescente-se a boa prestação de Kristin Scott Thomas - ela é Lady Elizabeth, a mãe das irmãs Bolena) mas também pela cuidada reconstituição da época. Embora, valha a verdade, a acção revolucionária de Henrique VIII, que chegou a ser excomungado pelo Papa da época, passasse de modo muito breve pela película e de forma escandalosamente secundária. Mas essa foi uma opção claramente tomada para a narrativa e ou se gosta ou se põe na borda do prato, não há nada a fazer.



O filme é ainda um hino às crónicas de paixão, traição e morte e tem em Ana Bolena a personificação da mais rebuscada inteligência, da astúcia e singularidade, uma víbora a que Natalie Portman deu um ar de vivacidade e formosura, qual modelo de tentação enviado pelo Diabo à terra. Já o peso de Scarlett Johansson neste filme é medido em ternura, nobreza de sentimentos, graciosidade da mais pura desprovida do disfarce e hipocrisia que o papel de Natalie Portman obrigava. Mas, como alguém disse, as mulheres boas vão para o céu e as más vão para todo o lado. Neste caso, isso significa que Maria Bolena não passou de amante do rei, a quem deu um filho bastardo, e que Ana Bolena chegou a rainha. E a filha de ambos (de Ana e de Henrique), Isabel I, governaria a Inglaterra durante 45 anos. Ana Bolena, essa, como se sabe, acabaria morta por decapitação à la francesa. Isto é, de pé, sem nunca se vergar ao carrasco, ao povo, ou quem quer que fosse, e o seu pescocinho delicado apenas foi decepado por uma elegante espada de metal muito brilhante.



Como nota de rodapé, sou obrigado a salientar a náusea que me causou observar como naquela época uma família, um pai, obrigou as suas filhas às mais vis sevícias no único intuito de granjear poder para si. É, de facto, aviltante e chega a ser quase reconfortante saber que também aquela gente, que existiu realmente, acabaria premiada com um corte de machada bem junto à nuca e que a sua cabeça rolou ignominiosamente (ignominiosamente? Ufa!) num estrado bem imundo ao som dos gritos triunfantes e odiosos de um povo que berrava sabe-se lá por que razões distintas.



The Other Boleyn Girl, de Justin Chadwick, com Natalie Portman, Scarlett Johansson e Eric Bana


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