domingo, 31 de outubro de 2010

Polícia sem Lei








A redenção impossível


A propósito de «Polícia Sem Lei» poderia vir aqui falar-vos do singular realizador que é Werner Herzog, do ‘novo cinema alemão’ de que faz parte, dizem, ou de Rainer Werner Fassbinder ou Wim Wenders que como Herzog são alemães muito perigosos (um já se foi) e cúmplices com este no crime de fazer cinema pouco ou nada consensual. Mas não, deixo isso para os especialistas ou para as páginas enciclopédicas igualmente importantes na avaliação de uma obra e do trabalho de autores e actores. E também não pela simples razão de que aqui sou um simples cinéfilo, um espectador comum, mas sobretudo não porque seria um desperdício fazê-lo quando pelo filme se passeia um ser humano, um polícia no caso em questão, que persegue deliberadamente a sua própria perdição. Um homem que mata a dor com o prazer ainda que socialmente o faça sob algumas das mais condenáveis formas.

Pois este polícia sem lei, que usa e abusa do poder que lhe é conferido pela sua profissão, corrupto e amoral, acaba por se revelar uma das mais fantásticas personagens do cinema nesta época de contenção e num género que tem muito de ficcional mas que aqui poderia ser bem real, o policial. E se o cinema pode ser designado como uma fábrica de emoções, façam o favor de apertar os cintos uma vez que o estado geral que passa a vigorar assim que «The Bad Lieutenant: Port Of Call - New Orleans» se inicia é o de total insanidade. Insanidade na história que se desenrola e de estupefacção do espectador esmagado pelo delírio auto-destrutivo de uma personagem a contagiar todo o filme.

Mas calma, não corram já para as salas de cinema, sejam um pouquinho mais cautelosos. É que já li algures que este foi o pior filme do ano para uns quantos. É justo, como já sugeri atrás não se trata de um filme consensual certamente e cinema não bate a todos por igual. Mas que para mim foi absolutamente revigorante observar a forma como um polícia a investigar o homicídio de uma família inteira no que aparenta ter sido um ajuste de contas lê o manual de instruções de trás para a frente e ainda rasga umas páginas pelo meio, lá isso foi. E se o filme é muito de um Nicolas Cage histriónico no seu impagável boneco, há que não esquecer a humidade e o calor de uma Nova Orleães de sotaque sulista e a viver um período de negação logo após os efeitos do furacão Katrina a transformar-se numa personagem omnipresente em toda a trama. E ‘last but not least’ que dizer da belíssima e cada vez mais sensual Eva Mendes aqui num papel complexo de uma prostituta incrivelmente sedutora num misto de ingenuidade e admirável capacidade de amar? Meus caros Abel Ferrara, Harvey Keitel e «The Bad Lieutenant» de 1992, o homem até pode ter ido beber inspiração no vosso trabalho, não o nego, mas que valeu a pena lá isso valeu.



«The Bad Lieutenant: Port Of Call - New Orleans», de Werner Herzog, com Nicolas Cage e Eva Mendes







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