domingo, 31 de outubro de 2010

Deixa Chover







Gente Vulgar


O casal Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri é o responsável por um dos maiores sucessos do cinema francês na última década em Portugal em termos de aceitação do público. Refiro-me a «O Gosto dos Outros» que esteve mais de um ano em exibição no cinema Nimas, em Lisboa. «Deixa Chover», o mais recente filme de Agnès Jaoui, vem um pouco na continuidade da obra anteriormente referida já que é de um retrato da França e dos franceses eternamente presos a uma certa irredutibilidade do destino que se trata.



A história apresenta-nos três personagens principais que se passeiam à deriva pela tela na busca que empreendem sobre qual é afinal o peso dos sentimentos e da herança do passado em cada um e naquilo que pretendem para o seu futuro. Sem exagero, dir-se-ia que quando o documentarista decadente Michel (Jean-Pierre Bacri), o seu assistente filho de argelinos radicados em França Karim (Jamel Debbouze) e a escritora e activista Agathe Villanova (Agnès Jaoui) partem para uma pequena cidade do interior nunca mais regressarão ao que era o ponto de partida das suas vidas.



Nesta busca iniciática, Agathe aventura-se pelo mundo da política na sua terra natal e aproveita para ajudar a irmã, por sua vez dispersa num casamento que a reprime, a organizar as coisas da mãe de ambas falecida um ano antes. Os dois documentaristas acompanham-na no intuito de realizarem um trabalho sobre Agathe Villanova, a escritora, a activista feminista, a mulher política. Sempre com a França como personagem secundária mas omnipresente, a mulher percebe que tudo aquilo por que se tem empenhado a tornou numa pessoa decidida mas autoritária e antipática ao olhar alheio, o que a magoa intimamente. Inclusivamente, vê perigar a sua relação com o homem que ama. Karim, por sua vez, vive as humilhações próprias de um descendente de argelinos observando o resultado patético do trabalho de documentarista de Michel quando, por mérito próprio, deveria ser ele mesmo a coordenar a equipa. Em boa verdade, aquilo que se observa é uma clara e fiel representação da vida. E isso é algo que o cinema francês sempre soube fazer de modo exemplar.



«Parlez-Moi de la Pluie», título original do filme, não é mais que a alusão a um poema – «L’orage» – cantado por Georges Brassens. E neste jogo da verdade e da vida busca-se referências poéticas ligadas às recordações de infância e aos amores de acentuada impossibilidade. E na perfeição dos diálogos e representação sem mácula dos actores surge em pano de fundo um mês de Agosto incaracterístico onde reinam o frio e a chuva. Mas, citando Fernando Pessoa, ‘Deus quer, o homem sonha e a obra nasce.’ E isto no filme significa que há sempre a possibilidade de arrepiarmos caminho ou de nos enchermos de coragem para abraçarmos aquele projecto, aquele amor que tanto medo nos dá mas que tanto desejamos para nós. Tudo se resume afinal a uma questão de escolhas. E já que falamos de escolhas, «Deixa Chover» é cinema sério, é a vida passada na tela e é uma boa escolha de cinema para apreciadores do género.



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