domingo, 31 de outubro de 2010

Vicky Cristina Barcelona






Fim de Semana Alucinante





Woody Allen foi, até há poucos anos, o cineasta da cidade de Nova Iorque, cidade onde nasceu, vive e filmava fazendo da grande metrópole americana mais uma personagem dos seus filmes. Depois de «Match Point» (2005), «Scoop» (2006) e «O Sonho de Cassandra» (2007), o realizador regressou à Europa, desta vez a Barcelona, para filmar «Vicky Cristina Barcelona». E a primeira reacção que o filme despoletou em mim é que Allen promete nele muito mais do que aquilo que chega a cumprir. Sendo a sua carreira pautada por diversas incursões analíticas ao universo das relações amorosas, não deixando de exercer uma crítica feroz às psicoses que afectam os seus intervenientes, desta vez Allen procurou ir mais longe tentando edificar uma outra visão do amor em contraponto com a prática reinante, prática essa que é imposta aos seus membros pela sociedade dita civilizada.



De férias na capital da Catalunha, Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) são duas amigas tão diferentes uma da outra quanto o podem ser a água e o vinho. Uma, Vicky, é moderada, tradicionalista e aposta nas relações amorosas sérias estando de casamento marcado com alguém que partilha da sua linha de pensamento. Outra, Cristina, salta de relação em relação não temendo o amor mesmo sabendo que as rupturas implicam sempre uma carga de sofrimento, assumindo-a. Enquanto uma tirou um curso sem qualquer saída profissional preparando-se para ser esposa e mãe, a outra procura incessantemente descobrir o rumo certo para a arte que lhe corre nas veias e que ainda não identificou correctamente. Em Barcelona conhecem o pintor Juan Antonio (Javier Bardem), um homem que acredita no amor livre e no sexo sem fronteiras mas que vive na ambiguidade de continuar a procurar em cada mulher aquilo que ainda ama em Maria Elena (Penélope Cruz), a sua ex. Juan Antonio vai abalar as convicções de Vicky, dar involuntariamente a entender a Cristina que aquilo que lhe falta é encontrar o homem certo e, através do relacionamento tempestuoso mas apaixonado com Maria Elena, provar que os grandes amores permanecem para a vida inteira independentemente dos seus protagonistas ficarem ou não juntos.



Mas onde falhou então Woody Allen? Primeiramente, no facto de não ter percebido a rica cultura espanhola e, consequentemente, não ter tirado dela partido. Secundariamente, e não menos importante, porque se referiu vastas vezes no filme à Barcelona de Gaudí e Miró mas fê-lo sempre como se desse provimento a uma encomenda que lhe fora colocada e não usando a mais-valia romântica que a capital da Catalunha lhe poderia proporcionar. Apesar disso, noutro campo, o analítico, Allen andou muito próximo de defender com sucesso a teoria da grandeza do amor. Este que tem, necessariamente, de se tornar imune a regras sociais ou aos rótulos que as excepções a essas regras facilmente adquirem. Allen teve igualmente nas suas mãos a oportunidade de provar que o erotismo é apenas a expressão mais inflamada do amor. Mas ficou-se somente por algumas ameaças meio envergonhadas da sua exposição. Quanto às interpretações, o destaque vai inteirinho para a sensualidade de Scarlett Johansson, a passear-se na tela com uma irresistível languidez, e para Rebecca Hall, que arranca a melhor interpretação de todo o filme. Quanto a Javier Bardem e Penélope Cruz, se ele é vítima do gigantesco estereótipo que é a sua personagem, ela pura e simplesmente prova que esganiçar-se até ao encarniçamento não é suficiente para fazer uma boa composição de uma personagem problemática. Nem pouco mais ou menos. Em suma, em «Vicky Cristina Barcelona», Allen volta a não conseguir pôr uma pedra sobre a monotonia de decomposição em que por vezes cai o seu cinema. E desta vez é com muita pena que o concluo, dada a simpatia que me merecerão sempre os grandes amores e o idealismo dos seus figurantes.







«Vicky Cristina Barcelona», de Woody Allen, com Scarlett Johansson, Rebecca Hall, Javier Bardem e Penélope Cruz


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