domingo, 31 de outubro de 2010

Um Homem Singular










Laços eternos



A vida ensina-nos que muitas vezes é de onde menos esperamos que nos chega o mais comovente dos mundos. Assim é com «Um Homem Singular», filme que estreia Tom Ford na realização de filmes, e com a mais extraordinária representação que já vi do brilhante actor que é Colin Firth. O filme é todo ele de uma perfeição estética ímpar, de uma sensibilidade que aprofunda o que de melhor possui o ser humano através da sua personagem principal e possui ainda um estado de encantamento sentimental que nos enleva na história que desfila defronte dos nossos olhos. Isto, sem que alguma vez a realização de Ford pretenda a militância do espectador através da condição sexual do Prof. George Falconer (Firth). Mas mais do que falar de tendências sexuais, que apenas surgem englobadas no quotidiano das personagens, a história soa-nos como um cântico sobre um amor sem fronteiras nem parametrizações e vê-se sem que alguma vez a vertente carnal da sexualidade de Falconer, um homem de princípios muito vincados, seja sequer sugerida quanto mais exibida.



A narrativa parte da perda de Falconer. Depois de um acidente de viação, Jim (Matthew Goode), seu companheiro de dezasseis anos, morre. A partir daqui, George Falconer perde todo o interesse pela vida e inicia a preparação de um final provocado e abrupto para a sua própria existência. Entretanto, deixa que o seu dia decorra com a normalidade possível sem que a decisão que tomou interfira na vida dos que o rodeiam. Nomeadamente na actividade dos seus alunos e na inquietude de Charley (Julianne Moore), sua amiga de sempre com quem, em tempos remotos na vida de ambos, tentara um relacionamento amoroso. O filme adapta o livro homónimo da autoria de Christopher Isherwood e a acção decorre no início dos anos sessenta numa altura em que a sociedade americana vivia atemorizada pela crise provocada pela ameaça dos mísseis cubanos. E quando Falconer pensa que pode tomar nas suas mãos o seu próprio destino eis que é o destino quem lhe troca as voltas de um modo lancinante.



Tom Ford é, antes de ser realizador de cinema, um conhecido desenhador de moda que trabalhou para as casas Gucci e Yves Saint Laurent. E a esse facto não é alheia a perfeição visual e técnica num filme onde a montagem é exemplar e as imagens se balanceiam suavemente ao som de uma tocante banda sonora. De realçar ainda a forma discreta como as personagens se movem numa sociedade irrequieta, à época, e a excelente ‘mise en scène’ que nos transporta até uma Califórnia que desponta então como o coração da América. Em suma, um filme inesperado não só pela sua singularidade como pelo modo sereno como expõe a dor, a tragédia de um homem que vê a sua felicidade decepada de forma fortuita. E, no final, percebemos como é absolutamente verdadeira aquela nossa suspeita sobre a fragilidade com que todos nós passamos pela vida.



Embora já referida, uma última mas fundamental chamada de atenção para a pungente interpretação de Colin Firth, um actor de corpo inteiro e, com este papel, um dos mais sérios candidatos a vencedor do principal Oscar da representação masculina. Por uma vez que seja o preconceito não tem lugar, não pode ter, num filme que é antes de tudo um hino à vida. Mesmo que essa vida seja pensada a partir do momento em que alguém julga nada mais poder esperar dela e de si. Porque a dor, não sendo um modo de vida, é um factor determinante para aquilo que dela esperamos ou desejamos.





«A Single Man», de Tom Ford, com Colin Firth, Matthew Goode e Julianne Moore

Sem comentários: