domingo, 31 de outubro de 2010

O Amor nos Tempos de Cólera

Um Amor Impossível ou Quando o Cinema não faz Justiça à Literatura

Florentino Ariza, poeta e humilde funcionário dos telégrafos da colombiana Cartagena, apaixona-se perdidamente por Fermina Daza, recém chegada à cidade. A paixão de Florentino é explosiva, de um romantismo inabalável, o seu amor irá quedar-se em si para todo o sempre. Mas a modesta classe social de Florentino leva Fermina a casar com o Dr. Juvenal Urbino, médico, aristocrata, alguém que é ainda bastante respeitado pelo que fez na cidade ao livrá-la da cólera, doença que na altura fustigava os locais. Florentino, fiel ao seu grande amor, irá esperar mais de 50 anos pela sua amada procurando, entretanto, ser feliz sem a mulher da sua vida.



Esta é, em traços gerais, a trama do filme que adaptou para o cinema um dos mais importantes livros do consagrado escritor latino Gabriel Garcia Marquez, O Amor nos Tempos de Cólera. Adaptar uma obra literária desta estirpe ao cinema, dada a diferença de modelos de narrativa, pode redundar num grande filme ou… numa obra tremendamente falhada. Infelizmente, estamos na presença do segundo caso. Quer pela realização de Mike Newell quer pelo espalhafatoso fracasso das interpretações da maioria do elenco com destaque (negativo) para Giovana Mezzogiorno e Javier Bardem, no fundo as duas personagens principais de uma lendária história de amor.



Falar de amor, em cinema ou noutra qualquer expressão artística, requer uma sensibilidade extrema. Isto se quisermos tocar o âmago de alguém, emocionar alguém. E «Love in the Time of Cholera» está muito longe de ter atingido esse elevado nível de sensibilidade. Por respeito ao notável escritor colombiano, diria mesmo que estamos perante um embuste. Não existe na narrativa força dramática que nos faça acreditar na tragédia de um homem que espera 50 anos pela sua amada, não se percebe química alguma entre Bardem e Giovana Mezzogiorno e o histrionismo que a direcção de actores invariavelmente permitiu, transferiu para uma espécie de comédia o que deveria ter sido um drama épico. Exceptue-se aqui Benjamin Bratt, o Dr. Juvenal Urbino.



Não, recuso-me a aceitar que alguém possa acreditar que um ridículo Florentino Ariza pudesse ser alvo do interesse superlativo das mulheres, que um poeta burlesco conseguisse amar com a força que se lhe pressupunha e, até, detivesse na alma o idealismo que o levasse a tão grande acto de amor. E a Fermina Dazza de Mike Newell esteve a quilómetros do encanto e da candura necessários ao enredo amoroso que a envolve, não possuiu sequer a beleza que se impunha ou a personalidade intensa e cativante que um amor como o de Ariza exigia.



Para além de tudo isto, o filme é monótono em muitos momentos e a caracterização das personagens excessiva. Mas nada supera a gravidade que foi alcançada ao não se conseguir perceber a dimensão realística da escrita de Gabriel Garcia Marquez. O artificialismo impera e o que era um amor impossível, algo que sobressai da intimidade mais fervorosa do ser humano, acaba transformado num mero amontoado de trejeitos, caracterizações, cenários e roupas de época sem espaço nem lugar para a emoção.



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