domingo, 31 de outubro de 2010

Dorian Gray











O retrato tremido de Dorian Gray







 


Mesmo sendo pouco conseguidos, há filmes que podem valer a pena. Não só porque levantam questões importantes e intemporais sobre a natureza humana e até relativamente às opções de vida que cada um toma, mas também porque relembram grandes obras da literatura de sempre. Não é, no entanto, o caso de «Dorian Gray», do britânico Oliver Parker. E não o é porque se trata de um mau produto, de um produto de consumo imediato que de modo algum faz justiça à obra «O Retrato de Dorian Gray», de Oscar Wilde. As razões são várias e prendem-se desde logo com questões técnicas como o desajustado aparato da montagem e uma fotografia pomposa que se baralha na fidelidade estética ao romance ao pretender imprimir ao filme uma áurea de terror gótico. Outra das razões tem a ver com a infelicidade do ‘casting’ quanto ao actor que veste a pele de Dorian Gray. Apesar disso, e como se essas não fossem por si razões suficientes para o fracasso, o que falha sobretudo é a ineficácia na exploração da inquietude e dos tormentos por que a personagem principal irá passar depois da sua longa caminhada até à total decadência moral em busca do prazer sem limites. Como já falhara antes na amostragem da adulteração da personalidade de um jovem cândido e ingénuo alcançada através das ideias perversas de quem joga com a vida dos outros.


 


A história é conhecida, Dorian Gray (Ben Barnes), um jovem aristocrata, chega a Londres depois da morte do avô e conhece o pintor Basil Hallward (Ben Chaplin) que imediatamente se sente seduzido pela beleza singular do rapaz. Basil não só cria a sua maior obra ao pintar o retrato de Dorian como apresenta este a Lord Henry Wotton, um fidalgo cínico que o alicia para a sua visão do mundo onde apenas o que importa é o prazer. A par, como forma de pressão sobre o jovem, vai enfatizando o carácter efémero da maior virtude de Dorian Gray: a sua beleza física. Em contraposição, o pintor Basil age de modo paternalista com Gray pese toda a carga erótica e de desejo que este desperta em si. E enquanto Wotton corrompe definitivamente a personalidade do rapaz transformando-o num libertino perverso sem sentimentos que não sejam os da satisfação dos seus próprios prazeres, este mantém-se estranhamente jovem. E é no retrato do quadro pintado por Basil que se vai sulcando toda a dor que Dorian Gray vai semeando à sua passagem.


 


A melhor forma que Parker arranjou para retratar o desregramento e libertinagem em que Dorian Gray caiu foi a insistência em caricatas cenas de orgia. E quando o eterno jovem resolve dar um novo curso à sua vida, a inquietude que o atormenta é mostrada de forma muito redutora em rápidos ‘flasbacks’ dos seus mais infames actos anteriores. Infelizmente, o actor que corporiza Dorian Gray limita-se a cumprir uma missão sem rasgo e sem a capacidade de atribuir espessura dramática à personagem. Assim, cabe a Colin Firth pegar nas rédeas do filme conseguindo transmitir-lhe alguma carga psicológica sobre um dos mais recorrentes temas de reflexão do homem através das suas diferentes formas de arte: o da eterna juventude. Por outro lado, é à sua personagem que cabe a maior crítica ao espírito hedonista da época vitoriana. Mas até nas maiores reflexões o que fica é a esmagadora conclusão sobre a vida por mais simples que esta possa revelar-se: é que a existir para alguém, a imortalidade não é mais que uma condenação ao degredo se não houver quem acompanhe essa pessoa na sua existência. E no amor.



Filme prescindível.



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