domingo, 31 de outubro de 2010

O Leitor







A Inquietante Hanna Schmitz



Um nome surge indissociável desta obra formalmente irrepreensível que desenha um retrato sensível e singular de uma mulher que se vem a descobrir como representante das SS, a que foi a abjecta polícia nazi: Kate Winslet. Absolutamente assombrosa no papel de uma personagem de extrema complexidade psicológica, a actriz britânica é perfeita e estonteante quando na sua fase inicial a componente erótica toma conta da história e mostra-se ainda mais admirável no devir inquietante de alguém que esconde um segredo terrível que se torna ainda mais horrível ao olhar alheio por teimar em esconder deste um outro segredo. Este, absolutamente compreensível e próprio da sua formação social e humana mas que o orgulho e a vergonha a obrigam a preservar dos outros.



Stephen Daldry, realizador anterior de dois filmes que reputo de brilhantes - «As Horas» (2002) e «Billy Elliot» (2000) – filma nesta sua obra uma visão que poucos ousariam divulgar dos protagonistas de uma das páginas mais negras da história da humanidade já que arrisca a incompreensão daqueles que não percebam que aquilo que se pretende não é perdoar e, claro, muito menos passar uma esponja sobre o holocausto e carrascos ao seu serviço. E fugir de forma tão sensível e inteligente ao habitual maniqueísmo em que forçosa e (arrisco mesmo dizer) muito justamente se cai quando se relata episódios da tragédia que as tropas de Hitler causaram no seio da humanidade é de um irrecusável mérito. Tal deve ser reconhecido sobretudo quando o filme nos é apresentado num embrulho cinematográfico de indiscutível qualidade e interesse até porque a originalidade da citada visão decorre do livro «Der Vorleser», de Bernard Schlinker, aqui adaptado.



Tudo se inicia quando um adoentado jovem, Michael Berg (David Kross), é ajudado por Hanna Schmitz (Kate Winslet) uma linda mulher que o leva até casa. Depois de alguns meses acamado com escarlatina, Michael regressa para agradecer a Hanna e depara com um cenário de inevitável sedução da mulher semi-nua a cuidar da sua higiene pessoal. o jovem rapaz e a mulher acabam por iniciar uma relação composta por muito sexo e sessões de leitura – dele para ela – de obras fundamentais da literatura universal. Poucos meses depois, Hanna acaba por desaparecer de Michael e somente anos mais tarde enquanto estudante de Direito este a vai reencontrar agora sentada no banco dos réus acusada do homicídio de centenas de judeus como guarda das SS no campo de concentração de Auschwitz. No decorrer do julgamento, Michael percebe algo que pode ajudar a antiga amante mas é incapaz de chegar ao gesto final mesmo que incentivado pelo seu professor de Direito, um fabuloso Bruno Ganz.



Anos depois, Michael (agora já protagonizado por um estigmatizado Ralph Fiennes) grava cassetes para que na sua cela Hanna continue a desfrutar das obras literárias que tanto amava. E se no olhar sofrido de Ralph Fiennes como Michael Berg se percebe a força que um grande amor pode exercer ao longo da vida dos homens e das mulheres, marcando inexoravelmente o seu percurso, é também através dos seus actos – ou ausência deles em defesa de Hanna - que Daldry prova que se pode compreender evitando acusar mas, contudo, não perdoar o que é imperdoável. Isto mesmo que se possa efectuar as mais dolorosas contextualizações do que levou à prática dos actos criminosos. «O Leitor» é, deste modo, e em minha opinião, humana e intelectualmente um dos mais interessantes filmes que o cinema norte-americano produziu nos últimos anos contando com um trunfo suplementar personalizado na prestação fabulosa de Kate Winslet que acaba por ajudar a solidificar o meritório conceito que a dá como a actriz do momento.





O Leitor, de Stephen Daldry, com Kate Winslet, Ralph Fiennes, David Kross e Bruno Ganz

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