domingo, 31 de outubro de 2010

O homem que não sabia viver sem o amor de uma mulher





João Ferro


O João Ferro morreu vai fazer ainda este Novembro 3 anos. Ainda não era velho, pouco mais de cinquenta anos cumpridos, quando se foi deste mundo. Conheci-o por acaso, noite longa de Inverno, noite fria cá fora, lá dentro eu e alguns amigos mais duas ou três bebidas para aquecer a alma e o corpo. Lá dentro do bar nas docas de Lisboa. O João Ferro era o João Ferro. Isto é, como o João Ferro só mesmo o João Ferro, não dava para existirem dois iguais. Falava noites a fio e nós – eu e os outros –, mais jovens que ele, ouvíamo-lo com redobrada atenção.



Calcorreara o mundo.



Fixara-se durante alguns anos no calor abafado de África, na humidade quente das mulheres africanas, dizia sem se cansar de o repetir. Tivera seis mulheres, todas lindas, afiançava com severidade a evitar as dúvidas. E oito filhos. De cinco das seis mulheres. Todas elas muito mais jovens que ele, 13 anos de diferença a última. Ele, João Ferro, filho de um duro Tenente da Força Aérea, jurava nunca ter vivido sem amar. Que amar lhe era tão precioso como o ar que respirava. E não, nunca fizera amor com uma mulher sem sentir uma cumplicidade especial, sem haver forte envolvimento emocional entre ambos. Respeitava as prostitutas mas nunca recorrera a nenhuma.



Por que não, João?, tu que és doido por mulheres, perguntavamos-lhe.



Porque as amava, explicava muito simplesmente. Às mulheres. Franzia o sobrolho, batia com o punho a fazer saltar os copos meio bebidos no balcão do bar e apregoava zangado que o amor não se paga. É uma partilha, defendia.



Partilha de quê, João?



Partilha de afectos, de cumplicidades, de desejos, de paixão. Olha lá, João, essa frase leste-a por aí, brincavam os outros. Mas o João Ferro não era homem de responder a provocações. Quando se deitava a descrever a beleza de uma qualquer mulher que amara, quase que lhe rebentavam de emoção as lágrimas pelo rosto abaixo. Aquela pele macia, suave, as pernas lindas, bem torneadas, os seios rijos, sedutores, a barriga lisa – oh, a barriga! -, os lábios ardentes, aquele mundo de devaneio a abrir-se para um homem! E partíamos.



Partiam ele e ela.



Partiam numa viagem louca, ofegante, transpirada, de chegada em gemida euforia. No fim, o gesto sereno de carinho, as mãos entrelaçadas na união dos corpos ainda soluçantes. Era um poeta, o João Ferro. Depois, meio bebido, meio cansado mas feliz, cabelo bem puxado para trás em gel fornecido pelo seu barbeiro de sempre em Cascais, ar aristocrático, lá seguia no seu Jaguar com 22 anos, matrícula espanhola. De Madrid. Até que um dia, atraiçoado pelo coração que tanta felicidade lhe dera, seguiu viagem num caixão castanho brilhante para o cemitério dos Prazeres. Sim, que o João Ferro não admitia outro cemitério que não aquele para o descanso final.



Dos Prazeres.

2 comentários:

Caetana disse...

Mas como é que é possível? Como é possível escrever-se assim? :-)

JL disse...

:)

Um beijo, Caetana.