domingo, 31 de outubro de 2010

Dos Mistérios da Vida, Os Insondáveis e Maquiavélicos Desígnios da Mente






AINDA A REALIDADE VERSUS FICÇÃO





No texto anterior, falava-se textualmente em como não raras vezes a realidade pode ultrapassar a ficção na suposta improbabilidade dos factos. Ou, dito de outro modo, em como determinados acontecimentos de tão chocantes, de tão surpreendentes, dificilmente poderiam sair da imaginação do ficcionista. Assim, talvez valha a pena esticar um pouco mais a manta da questão.





OS INDESCRÍTIVEIS FACTOS



Durante o ano de 1993, desde França para o mundo, a notícia causou estupefacção e incredulidade ao relatar os pormenores sórdidos da inacreditável história de vida (e de morte) de Jean-Claude Romand. Em traços gerais, um homem tornara-se refém da sua própria essência dominada pela cobardia quando após mentir durante 18 longos anos à sua família e amigos não aguentou mais o pesado fardo do embuste em que vivia e, incapaz de lhes confessar a cruel verdade, acabou por assassinar os filhos, a mulher e os pais.



Tudo começara nos tempos da universidade. Aí, enquanto estudante de medicina, Romand cometera um erro grave e não mais terminaria a licenciatura. Escondida a dura verdade de todos quantos o rodeavam, tornou-se então para os que o circundavam no pai extremoso, no marido atento e carinhoso, no médico com um importante cargo de investigador na ONU. Entretanto, (sobre)vivia de esquemas e falsidades, refugiava-se em hotéis de beira de estrada, parques de estacionamento, áreas de serviço e embrenhava-se no interior dos densos bosques existentes entre a Suiça e a França. Romand tornara-se prisioneiro da sua própria incapacidade de lidar com a verdade, tornara-se um cobarde miserável. Um homem fraco que não se coibia de se travestir de herói à escala familiar.





O ADVERSÁRIO (2002), de Nicole Garcia com Daniel Auteil






O EMPREGO DO TEMPO (2001), de Laurent Cantet com Aurélien Recoing






O CINEMA



Por duas vezes o cinema se debruçou sobre este caso recheado de sofrimento e malvadez. Em 2001, Laurent Cantet explorou as cambiantes psicossociais do acontecido focadas no mundo do trabalho. O filme intitula-se «O Emprego do Tempo» e tornou-se num belíssimo e interessante ensaio filosófico sobre a questão. Já em 2002, Nicole Garcia atreveu-se a narrar quase fidedignamente os trágicos acontecimentos em «O Adversário», um filme que se assemelha a uma espécie de poesia do desespero. E cada um do seu modo, os dois filmes exploraram a dolorosa realidade com uma sensibilidade notável descodificando a quem os assistiu o incompreensível e tresloucado acto de Romand. Sem perdão, contudo.



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