domingo, 31 de outubro de 2010

Shutter Island












A barca do inferno



Até que ponto a loucura não serve de escudo ao ser humano como defesa contra a dor mais atroz? E se recuperada a lucidez de que força, ou forças, precisa o homem para sobreviver às inquietantes memórias que o levaram a perder a sanidade mental? E mesmo que tenha essa capacidade quererá este continuar a vida carregando às costas um fardo tão pesado? Esta e outras questões são-nos sugeridas por «Shutter Island», um ‘thriller’ de terror psicológico baseado na obra homónima de Dennis Lehane. «Shutter Island» que representa igualmente mais uma claustrofóbica descida do cinema aos infernos da mente humana. Neste caso, através de um argumento tão labiríntico como labiríntica pode revelar-se a própria mente. E para aqueles espectadores que entrados na sala de cinema se esquecem do mundo lá fora e vivem de modo particularmente sensível a vida das personagens que desfilam na tela, temo que o mais recente filme de Martin Scorsese lhes proporcione hora e meia de profundo sofrimento. De muito bom cinema, que não restem dúvidas, mas em igual medida de um doloroso pesar. Porque a tensão crescente no drama da vida de Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) possui componentes próprios da mais aflitiva mágoa.



Teddy Daniels é um Agente da Polícia Federal em missão na prisão psiquiátrica de Shutter Island. Acompanhado do colega Chuck Aule (Mark Ruffalo), Daniels é também ele um homem atormentado pelo trágico desaparecimento da mulher. E a busca da verdade sobre os acontecimentos que rodearam a sua morte assim como o enigmático sumiço do piromaníaco assassino Laeddis, são os motivos reais por detrás da presença de Daniels na muito rochosa ilha. Ele que ali se desloca em missão oficial alegadamente na tentativa de investigar a fuga de uma das mais assustadoras criaturas presas no sombrio estabelecimento para tratamento psiquiátrico. Sobre este abundam igualmente os rumores sobre actos ilegais de investigações à mente humana e outras experiências cirúrgicas que visam mudar a atitude dos criminosos. E o comportamento do Dr. Cawley (Ben Kingsley), director clínico do estabelecimento, e dos elementos da guarda prisional parece atestar as desconfianças do Agente Federal.



Mas no que concerne a uma mente humana transtornada todas as possibilidades são de equacionar. E nem sempre aquilo que parece é. O filme, herdeiro do cinema clássico, apresenta uma estrutura conceptual irrepreensível que o leva a uma extrema eficácia na espiral de tensão que adopta. E a determinado momento todos se interrogam. As personagens sobre o seu verdadeiro papel no drama e o espectador que começa então a perceber que algo de verdadeiramente grandioso está para lhe ser revelado. À altura, vivem-se os anos 50 ainda na sombra de Auschwitz e da barbárie nazi sendo que, curiosamente ou talvez não, a chegada a Shutter Island só pode ser efectuada por ‘ferry’, o que aponta para a mitologia grega.



E num filme, mais um, de doloroso testemunho por parte do espectador da ambiência opressiva e, mais para o final, da descoberta do quão desordenada pode ficar a mente humana como resultado de um trauma profundo, emerge a excelente interpretação de Leonardo DiCaprio, ele que para muitos continua a ter que provar a sua enorme capacidade para a representação em cada novo filme que faz. DiCaprio que é muito bem coadjuvado por Mark Ruffalo, Ben Kingsley e pelo octogenário Max von Sydow. Quando o filme termina , até pelo período difícil de tragédia atrás de tragédia que o mundo vive na actualidade, há imagens que chocam de tal modo que é quase tarefa impossível a de nos alhearmos de que também nós somos seres humanos e como tal possuímos um limite para suportar a dor.





«Shutter Island», de Martin Scorsese, com Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley e Max von Sydow

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