domingo, 31 de outubro de 2010

Promessas Perigosas





[DVD]



David Cronenberg já nos fizera prova de toda a sua genialidade numa cinematografia até então fora dos circuitos normais de cinema, longe do chamado cinema ‘mainstream’. Ainda assim, filmes todos eles fabulosos e a ver e rever como «A Mosca» (1986), «M. Butterfly» (1993), «Crash» (1996), «eXistenZ» (1999), «Spider» (2002) e o seu anterior «Uma História de Violência» (2005) tinham tido uma reacção muito positiva por parte do público em geral e não apenas dos conhecedores da sua obra inspiradora, embriagante. Em «Promessas Perigosas» (2007) o cineasta canadense atinge o auge das suas capacidades como realizador… regular. O filme é de uma perfeição absoluta e as personagens extraordinariamente bem defendidas por um lote de actores impressionante acabam por se revelar a génese de um mundo que (sobre)vive ao nosso lado mas do qual raramente nos damos conta. E ainda bem que assim é.



O argumento detém-se numa Londres estranha, nada perceptível a olho nu, num mundo subterrâneo orquestrado pela Máfia originária dos países de Leste. Nikolai Luzhin (Viggo Mortensen) é o motorista de Semyon (o alemão Armin Mueller-Stahl) líder da seita e dono do faustoso restaurante Trans-Siberian que lhe serve de capa para as suas actividades perversas. Kiril (o francês Vincent Cassel) é filho de Seymon e amigo inseparável de Nikolai. Para baralhar as contas e trazer uma dimensão nova de busca e perturbação ao filme surge Anna (esplêndida e bela Naomi Watts), uma enfermeira de maternidade em busca da paternidade de um bebé cuja mãe, obrigada a prostituir-se pelos mafiosos, morre durante o parto.



Viggo Mortensen é soberbo na sua personagem esfíngica, atormentada, dividida entre o dever e a moral, atacada por demónios que lhe tornam o olhar turvo, mortiço, sem sombra de felicidade. Se o actor ganhou uma áurea de encantamento com a personagem Aragorn (saga de «O Senhor dos Anéis»), de competência em «Uma História de Violência», neste filme coloca-se ao nível dos grandes actores de que Hollywood se serve para continuar a senda do sonho que desde o velho continente os irmãos Lumière lhe proporcionaram e o seu cinema tão bem soube encarnar. Excelentemente secundado por um Vincent Cassel louco, enérgico e imprevisível e pela cândida doçura de uma Naomi Watts determinada e sem ponta de receio no desafio que se impôs a si própria, Viggo Mortensen é apenas porção fundamental de uma poesia aflitiva mas pungente de um poeta – Cronenberg – cujo talento reside na capacidade de perceber a alma humana como poucos e de a transportar para universos percorridos no fio da navalha mas universos encantatórios na sua obscuridade e plenos de irresistível sedução. Extraordinário filme a não perder e a reservar algures num canto especial das obras cinematográficas sem mácula, verdadeiramente estimulantes.





«Eastern Promises», de David Cronenberg, com Viggo Mortensen, Naomi Watts, Vincent Cassel e Armin Mueller-Stahl

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