domingo, 31 de outubro de 2010

Centros comerciais

[Chop Suey, 1929 - Edward Hopper]






De partida para mais uma viagem de trabalho, almocei um bife de carne argentina na Block House do Oeiras Parque. Os centros comerciais têm toda uma variedade de restaurantes com acessibilidades e locais de estacionamento que por vezes dificilmente encontramos nas grandes cidades. E ao passearmos nas suas alamedas com as montras das lojas sofisticadamente decoradas, cruzamo-nos com lindas mulheres absorvidas na contemplação das novas tendências da moda e somos seduzidos pelas acolhedoras livrarias onde folheamos memórias daquele lugar onde nós e elas nos amámos como se não houvesse o dia seguinte e deliciamo-nos com as fragrâncias dos nossos tempos de infância de mãos dadas com os nossos avós – que saudades eu tenho tuas avô, não sei onde mas um dia voltarei a deixar que me beijes as faces avó – e em que primos e tios eram todos uma família unida e chegada e não apenas encontros esporádicos, normalmente tristes porque motivados pela partida de um de nós. Os centros comerciais põem à nossa disposição tudo aquilo que o dinheiro pode comprar e ainda nos sugerem um mundo que é tão grande quanto maior for a nossa imaginação.



Mas se assim é, por que não gosto eu de centros comerciais? Na verdade, fui deixando crescer em mim uma certa relutância por estes chamados santuários de consumo. Não por causa do consumismo, não porque não recorra a eles quando necessito de fazer compras. Recorro, claro que recorro. Como hoje ao ir almoçar um bife de carne argentina na Block House do Oeiras Parque. O problema é que os centros comerciais fazem-me lembrar aquele tipo que aparecia com o suplemento de economia do Expresso debaixo do braço nos almoços de Natal da empresa quando, após os estudos, me iniciei no mundo do trabalho. Ou aquel’outro que levou para uma viagem de trabalho de cinco dias a Roma o livro «Cem Anos de Solidão», de Marquez, não passando da página cinco quando era suposto que alguém minimamente interessado em livros, na altura, já tivesse obrigatoriamente de ter lido a obra em causa. Mas também aquela colega que começou a fumar já na idade adulta porque, para ela, era bonito no final das refeições puxar de um cigarro e botar conversa sobre tudo e sobre nada, embora, entre tanta baforada, eu apenas percebesse os sinais do fumo mas nunca entendesse o que verbalizava.



Aborreço-me em centros comerciais tal como me causam enfado as estatísticas. Precisamos deles e delas mas reduzem-nos a números e somos estandardizados por via de estudos de consumo e de ‘marketing’, consultas de opinião, inquéritos de rua ou por seja lá que merda for. Os centros comerciais são um dos rostos mais evidentes da globalização. São iguais em Lisboa, no Porto, em Paris, Madrid, Londres, S. Paulo, Pequim, Tóquio ou em Escalos de Baixo. É tudo tão feito para agradar, para ser aceite pelo maior universo possível de pessoas que até a nossa singularidade ameaçam. Tal como os gajos do suplemento de economia do Expresso, do livro do Gabriel Garcia Marquez ou dos cigarros como forma de promoção social, têm uma ânsia desmedida em ser aceites não pelo que cada um é mas por aquilo que acham que os outros vão apreciar. Ainda para mais dão-nos música. Por todo o lado onde entremos dão-nos música. Sim, eu até gosto de música. Mas não que a música me seja imposta sem eu que eu tenha a opção de a fazer calar.







[e espero que jamais alguém me veja com um suplemento do Expresso debaixo do braço; sim, porque se tal acontecer vai ser decerto o caderno de emprego e eu preciso muito do meu trabalho para viver]








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