domingo, 10 de outubro de 2010

HULK

       






     HULK – UM MONSTRO VERDE DE TORMENTO
     
      Pois é, o filão em que se tornou a BD relativamente ao cinema continua a gerar riqueza. Vistas as coisas desta forma, «Hulk» seria somente a mais recente adaptação de um dos heróis dos quadradinhos à tela grande do cinema a estrear entre nós. No entanto, a curiosidade em torno desta produção começa logo no nome do realizador encarregado de transformar uma BD de sucesso num filme interessante e, talvez mais do que isso, num campeão de bilheteira. E o modo como o chinês de Taiwan, realizador anterior de, entre outros, «A Tempestade de Gelo» (1997) e do belíssimo «O Tigre e o Dragão» (2000), procurou atingir esse desiderato revela-se, à partida, algo ambíguo e mesmo contraditório. Porquê? Porque nesta sua realização abdicou quase totalmente do cinema espectáculo para se concentrar sobretudo nos conflitos de personalidade da sua personagem principal. Nesse âmbito, acredito que não será de todo descabido afirmar que estamos na presença de alguém que mais que sofrer pela sua dupla personalidade sofre por ver a sua personalidade cruelmente dividida. Este facto promete fazer deste um filme mais interessante que o expectável para alguns mas arrisca desiludir os habituais fãs das adaptações para cinema da BD.
     
      Situemo-nos em dois pólos distintos: quem é o Hulk? Sobre que premissas trabalha o filme? O Hulk saiu, como muitos outros seus companheiros, do génio criativo da dupla formada por Stan Lee e Jack Kirby. Esta personagem singular da BD surgiria pela primeira vez nos ‘comic book’ da Marvel em 1962, apareceria mais tarde acompanhada de outros heróis e em 1968 assumiria todo o protagonismo debaixo do título de «O Incrível Hulk». Em 1999 a edição dos livrinhos foi interrompida para regressar logo após como «Hulk» até que voltou de novo ao título que o tornou famoso e ainda agora ostenta: «O Incrível Hulk». Uma curiosidade acrescida tem que ver com o facto de o Hulk não ter sido sempre verde como hoje o conhecemos. Quanto às premissas para o filme, Bruce Banner (Eric Bana) é um jovem cientista que trabalha com a ex-namorada, Betty Ross (Jennifer Connelly), num projecto tendente a descobrir um método que leve à reconstrução de tecidos humanos danificados. Lamentavelmente, um acidente faz com que Bruce fique exposto a uma radiação que lhe afecta o metabolismo e o transporta igualmente até um passado infeliz que vinha reprimindo. Esta conjunção de factores, a radiação e os acontecimentos do passado, levam a que em situações de tensão Bruce se transforme numa assustadora montanha de músculos, no monstro verde baptizado de Hulk.
     
      Em boa verdade, o filme inicia-se com a exposição da vida do cientista Bruce Banner enquanto criança. Desse modo, o realizador Ang Lee procura com alguma prudência introduzir o espectador no fantástico universo dos heróis da BD. Infelizmente, o filme por essa altura não adquire a fluidez necessária para despertar a atenção do espectador. Isso só acontece mais tarde, com Bruce Banner já adulto e quando a narrativa incide sobretudo nos conflitos interiores do protagonista. É então que o acidente com Banner sucede, este se transforma no monstro verde e a exposição da tragédia humana versus perigos da má utilização da ciência dão ao filme uma real dimensão dramática. Banner antes e pós Hulk é um indivíduo dilacerado pelo segredo das suas origens e enquanto Hulk é um monstro destruidor mas constantemente afectado pela vertente afectiva ligada à sua faceta humana. E é aqui, para o mal e para o bem, que reside o dedo de Ang Lee pela importância que concedeu a este aspecto mais reflexivo. A par disso, a sua realização faz o paralelismo entre o cinema e os livros de quadradinhos quando opta por artifícios técnicos ligados, por exemplo, à subdivisão da tela. Outra das preocupações de Lee, prendeu-se com a constante obscuridade em que mergulhou o Hulk. A este pormenor não será alheio o reconhecimento de que o processo de digitalização que deu vida ao monstro verde não terá sido totalmente conseguido. Sobretudo em questão de credibilização do boneco, bem entendido.
     
      Em termos globais, parece-me justo afirmar que «Hulk» é um produto que faz justiça à BD e um filme digno. Embora, há que o dizer, em alguma medida tenha inadequadamente descurado a sua faceta de objecto de entretenimento. Por outro lado, diga-se em sua defesa que Lee assinou uma obra mais intimista que o esperado, factor que pode ser determinante para que o filme chegue a outros que não apenas aos amantes dos ‘comic’. Em trâmites interpretativos, o destaque vai para Eric Bana, que concede à sua personagem uma adequada perturbação emocional, e para Nick Nolte, um ás igualmente em perturbação embora esta muito mais ligada ao foro demencial. Em suma, «Hulk» não é um filme que se deixe guiar unicamente por uma lógica de efeitos especiais e isso agrada. Quanto a Bruce Banner/Hulk, é alguém atormentado pelo passado e fustigado pelo presente já que o futuro, esse, estará reservado para a sequela que o final do filme como que pré-anuncia.

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