quinta-feira, 14 de outubro de 2010

L.I.E. - SEM SAÍDA





UMA SINUOSA AUTO-ESTRADA DA VIDA
     
      As iniciais L. I. E. referem-se à auto-estrada suburbana que liga Manhattan a Long Island, a Long Island Expressway. Mas o título escolhido para o filme não é nada inocente já que permite identificar a mentira com que decorrem as vidas de muitos americanos inseridos numa sociedade autista e hipócrita. Neste caso, a trama incide sobre o jovem Howie (Paul Franklin Dano) e, tal como o excelente título português denuncia, a verdadeira auto-estrada sem saída em que se tornou a sua jovem existência. Em paralelo, o filme mergulha numa temática infelizmente tão em voga na actualidade doméstica portuguesa, a pedofilia, aproveitando para abordar problemáticas como a ausência de afectos, a homossexualidade e a prostituição. Tudo examinado por debaixo de um olhar que compreende mas não facilita. Um olhar ora terno, ora extremamente ácido.
     
      Realizado pelo nova-iorquino Michael Cuesta, o filme chega às nossas salas após ter trilhado um percurso muito positivo em festivais de cinema internacionais, nomeadamente dedicados ao cinema gay e lésbico. Mas não apenas, e cite-se como exemplo o nosso Fantasporto – onde ganhou o prémio da Semana dos Realizadores – e o Festival de Deauville. Apesar do seu perturbante tema de fundo, Michael Cuesta procurou invariavelmente expor a complexidade da natureza humana, por um lado, e factores afectivos de carência, por outro, para de um modo surpreendentemente realista evitar a polémica fácil e tentar perceber a verdadeira dimensão do drama. Desta forma, conseguiu edificar uma obra que vale antes de mais pela sua completa originalidade criativa.
     
      Alguns dados sobre o enredo: a mãe de Howie – ele tem somente 15 anos de idade, morrera num acidente de viação na auto-estrada que dá o título ao filme. O jovem vive com o pai constantemente ausente, quer seja empenhado na tórrida relação sexual com a amante ou perdido nos problemas de uma empresa de construção onde é um executivo corrupto. A vida de Howie segue inquieta desde a escola até às casas que assalta com um grupo de colegas como meio de entretenimento, para se deter apenas junto do amigo Gary (Billy Kay). Mais tarde, também por influência de Gary, Howie irá conhecer Big John (Brian Cox), um homem de 60 anos. Começam aqui as duras revelações da vida para com o ingénuo Howie. Afinal o amigo Gary, que entretanto fugira, era homossexual e vendia o seu corpo por dinheiro, e Big John, veterano de guerra e figura muito estimada na comunidade, mantinha relações sexuais com jovens rapazes da sua idade. Ainda assim, tolhido pelo abandono do pai e pelas saudades da mãe, nasce entre Howie e Big John uma preocupante relação de dependência.
     
      Algo que ressalta do cinema de Michael Cuesta, é desde logo a constante preocupação em evitar fazer acusações simplistas próprias de quem se recusa a indagar as fontes do mal. Neste aspecto, poderia até afirmar-se que existe alguma condescendência do realizador para com uma realidade tão abjecta e inaceitável como a pedofilia. Mas não, nada mais errado já que a crítica mantém-se permanente. Vejamos como: na relação de Big John com a comunidade local, Cuesta procura demonstrar o quanto a sociedade se mantém voluntariamente cega relativamente a determinados tabus; já na relação que se refere a Howie e seu pai, o alerta vai para o modo como algumas crianças podem ser empurradas para graves problemas pelas próprias famílias. E nunca é demais afirmá-lo, tudo isto é apresentado pelo realizador através de uma narrativa singular e optando por um cinema minimalista que chama a si o mérito de ir directamente ao importante da questão desprezando o acessório. Realce-se ainda a prestação interpretativa de um actor tão capaz de brilhar no cinema independente quanto nas produções dos grandes estúdios, Brian Cox. Neste filme, o actor personifica a dor de alguém que sofre por ser incapaz de seguir a sua consciência em detrimento dos intoleráveis apelos da alma e do corpo. No final, um último bom momento: um momento de reencontro próprio e consequente recuperação de autonomia moral.

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