quinta-feira, 14 de outubro de 2010

XXX - MISSÃO RADICAL








ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
     
      “Na Itália, no tempo dos Borgias, houve uma guerra, o terror, os massacres, mas também Leonardo Da Vinci, Miguel Angelo e o Renascimento. E que produziram os suiços em cinco séculos de paz e democracia? O relógio de cuco!
      Orson Welles
     
      Praga, a bela cidade capital da República Checa, parece ter virado epicentro da luta contra o terrorismo internacional. Ainda recentemente, em «Más Companhias», víramos a acção frenética da luta entre espiões e terroristas pelas ruas rodeadas de edifícios que representam a belíssima arquitectura clássica da cidade, e eis que regressamos à invulgar e histórica cidade da Boémia. Desta vez, esquecemos os ambientes faustosos de hotéis de luxo e embrenhamo-nos por dentro de bares onde a música estridente de temas como “Feuer Frei”, do sexteto metálico alemão “Rammstein”, ou “I Will be Heard”, dos nevróticos americanos “Hatebreed”, fazem lei. A referência a estas músicas serve aliás para que possamos situar a ambiência do filme que junta de novo o realizador Rob Cohen e o actor Vin Diesel depois de «Velocidade Furiosa» (2001). «XXX – Missão Radical» é um filme obstinadamente irreal, excessivo, mas que obtém o mérito de, através da subversão de alguns valores da moral e regras de conduta, sobreviver a um universo de aligeiramento e total frivolidade criando para si mesmo um novo e determinado modelo de espião e de se fazer espionagem: o espião é forçado à causa que defende, é praticante de desportos radicais, revela-se insolente perante as leis e regras estabelecidas, é musculado, tatuado e a sua missão é pautada por uma estranha imprecisão entre deveres e prazeres e por um sentido de acentuado e arrogante distanciamento relativamente aos meandros do poder.
     
      Em «XXX – Missão Radical» existe uma clara e assumidamente direccionada exploração de elementos catastróficos, ruidosos, de desordenada devastação. À realização nada mais interessa senão usar a acção frenética como meio de nos injectar adrenalina nas veias que combata com eficácia a monotonia que no seu entendimento nos invade o quotidiano. Durante todo o desenvolvimento da acção evitam-se os tempos mortos, dá-se a fruição sem entraves. E diga-se que tal é conseguido com verdadeira amplitude. Xander Cage (Vin Diesel) é um americano que por ter desafiado a lei nas suas actividades radicais é recrutado de uma forma bastante insólita para esta missão em Praga. O agente Gibbons (Samuel L. Jackson) irá introduzi-lo no interior de uma perigosa associação secreta de anarquistas comandada pelo gélido Yorgi (Marton Csokas). Ao lado de Yorgi, sempre a seu lado, a bela e enigmática Yelena (Asia Argento) afigura-se como mais uma das personagens chave para o conflito que se avizinha entre o bem (representado por Xander Cage) e o mal (representado exactamente por Yorgi, o malévolo anarquista). Mas em todos estes elementos, bons e maus, existe um denominador comum: o grande charme, a imponência com que se movimentam. À porta dos bares esperam-nos espantosos carros de colecção capazes das maiores performances, e algures pela calada da noite numa cama acolchoada em cetim vermelho o abraço quente de formosas mulheres. É a exaltação de um determinado estilo de vivência “cool”. E também isso funciona no filme.
     
      Claro que é altamente perigoso pensar-se com a cabeça neste filme. Nele, a grande nação americana tudo deve em termos de manutenção da ordem internacional ao mundo, e em nome de tal facto tudo pode. Inclusive, se for caso disso, fazer explodir uma cidade europeia com dois milhões de habitantes. Por que motivos? Pela simples escolha do mal menor. Desconhecem-se banalidades como o Direito Internacional ou jamais vem à memória de alguém que à humanidade são hoje concedidos direitos inalienáveis. Mas isto, claro, só pode preocupar quem cometer o sacrilégio de pensar o filme. Este filme não é, repete-se, passível de ser pensado. Nele inventam-se alegrias, criam-se tentações, não existe lugar para filosofias e lamúrias que só encaminham o pobre cidadão – aqui como espectador do filme – para depressões que dão em posteriores faltas ao emprego e provocam um abaixamento da economia. Em «XXX – Missão Radical» existe uma nova raça de heróis sob a enganosa aparência de libertinagem, de se constituírem em meros pecadores. Mas não, nada disso. O que acontece é que se privilegia a ligeireza em detrimento do enraizamento de ideias porque é preciso agir no imediato. Porque o que conta é a sensação momentânea e não a experiência que perdura. Porque este é um filme com um sentido estético de muito bem pensada e acentuada modernidade onde não existe sequer lugar para a indesejada e cansativa intriga política. É tudo operacionalidade, é tudo, como referido amplamente, acção. E Vin Diesel surge como um novo ídolo do cinema junto de determinadas franjas de espectadores. Este filme será já o prenúncio quanto a uma exploração que certamente irá ser executada no futuro desse potencial universo de espectadores relativamente ao actor. E acredite-se que eles não são poucos e que as temáticas subjacentes são inesgotáveis. Basta que nos deixemos de carpideiras e nos abalancemos à diversão sem medos. Demos o exemplo, abanemos desde já o capacete!

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